Cuiabá | MT 18/03/2024
Gabriel Novis Neves
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Terça, 14 de maio de 2013, 20h32

O Professor

Fiz questão de comparecer ao almoço comemorativo do centenário de vida do professor Benedito de Figueiredo realizado há três anos.

Além de mestre e amigo, pela primeira vez participei daquele tipo de aniversário. Centenário de uma pessoa viva com lucidez intocável.

O almoço com o professor foi um dos pontos luminosos da minha vida.

Jamais esquecerei aquele ambiente aconchegante, repleto das nossas tradições.

Familiares, amigos, colegas de academia, alunos, gente simples, todos reunidos para prestar solidariedade à figura humana extraordinária do professor Ditão.

Jamais esquecerei seus últimos ensinamentos.

O nosso sábio encerrou a sua vida neste planeta aos cento e três anos, completados no dia vinte e oito de fevereiro deste ano.

Ditão, como era carinhosamente chamado pelos seus amigos, permaneceu elegantemente sentado durante toda a festa em sua velha cadeira de balanço conversando e ouvindo música regional.

Atendia com paciência, beijos e abraços as palavras carinhosas dos seus inúmeros convidados, retribuindo com o seu bom humor e uma palavra generosa a todos que foram cumprimentá-lo.

A identificação das pessoas presentes ao almoço era feita por parentes. Vítima de um glaucoma perdeu completamente a visão nos últimos anos da sua vida.

Lúcido, brilhante, alegre, aproveitou o máximo da vida para ensinar, principalmente, a sua arte de lidar com as letras.

Foi consultor gramatical permanente de várias gerações de jovens estudantes, professores e cultivadores da língua pátria.

Sua grande paixão nas letras era o plural das palavras. Foi ele o inspirador recente de antigos discípulos com relação à palavra gol.

Para o mestre plural de gol é gois, para desespero de muitos.

Antes de partir deste plano espiritual, respondeu à pergunta de uma neta, que desejava avaliar o seu estado de consciência. Ela perguntou ao avô qual era o plural de terça-feira. Ele respondeu: “- tudo no plural: terças-feiras”. Foram suas últimas palavras.

Despedida da vida e da gramática.

Atendendo ao seu pedido, chegado a mim pelo seu genro Walmir, convidou-me a sentar-se ao seu lado, segurou durante um longo tempo as minhas mãos e ministrou a sua última aula de sapiência.

Deixei que falasse, pois queria ouvi-lo.

Informalmente, com a simplicidade dos gênios fui anotando na minha memória os valores que nortearam a sua vida com dignidade.

Humildade, simplicidade, gratidão, reconhecimento, justiça, amizade e, principalmente, despojamento dos valores materiais.

Deixou que eu percebesse as suas duas grandes paixões - a família e os livros.

Esse foi um ato de extrema generosidade para comigo, o seu depoimento-testamento.

Na saída da festa do seu centenário, sabendo que eu era torcedor do Botafogo, disse-me que durante o tempo que estudou no Rio de Janeiro tornou-se torcedor do Botafogo.

Quis o destino que o nosso mestre Ditão nos deixasse em um domingo, após o nosso Botafogo conquistar o Campeonato Carioca de Futebol.

Ditão se apresentou a São Pedro segurando a Taça conquistada horas antes em Volta Redonda.

Talvez nem São Pedro soubesse ainda do resultado do jogo.

Prêmio do céu a um homem de bem.

Ah! Se eu pudesse escrever tudo que o Ditão me disse no nosso derradeiro encontro.

Sinto-me inibido em socializar tanto carinho recebido de um sábio.

Adeus Ditão!

Até o dia que concluir a vida que me existe, para continuar a conversa inesquecível. 

Gabriel Novis Neves é mèdico em Cuiabá e ex-reitor da UFMT
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