Cuiabá | MT 19/03/2024
Gabriel Novis Neves
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Sexta, 31 de maio de 2013, 11h12

Fantasias

Segundo Freud, as fantasias são um fio condutor para a história do sujeito, um porta voz para o inconsciente.

Somos frutos das nossas fantasias, ou seja, para cada operação mental existe uma fantasia subjacente.

Logo após o nascimento, estudos mostram a presença de estímulos fantasiosos do recém-nascido com o seio materno.

Já aos três ou quatro anos, observamos os monólogos infantis evocando pais, amigos ou animais como personagens centrais de uma história, sempre muito encenada e vivida através de bonecos ou similares.

Já na adolescência, com o fervilhar dos hormônios e o aparecimento do primeiro amor, surge um verdadeiro terremoto mental, em que as ideias sofrem uma desorganização que, por muito prazerosa, não costuma ser duradoura. Valores são atribuídos ao ser amado que o transforma em ser absolutamente único e insubstituível.

Essa expectativa hiperdimensionada, aliada ao desnudamento progressivo promovido pelo desgaste do relacionamento, vai colocando o idealizado num patamar mais real e, portanto, desmistificando a singularidade do ser amado.

Nos outros envolvimentos futuros, nas chamadas fases de enamoramento, tudo se repete, mas de uma maneira menos tempestuosa, dado o acúmulo de experiências vividas.

Como estamos sempre em busca de grandes emoções, estamos normalmente produzindo substâncias a elas ligadas, tais como: endorfina, serotonina, cortisol e adrenalina.

Durante o estado passional montamos para o ser amado o perfil que mais nos agrada, e nele mergulhamos com toda a intensidade. Claro que esse perfil era apenas reflexo das nossas expectativas, portanto, falso, e na maioria das vezes, fonte de desencanto.

Como na vida o culpado é sempre o outro, facilmente nos eximimos dos nossos erros de avaliação.

Os adeptos à arte de escrever conseguem sentir e transmitir através das palavras toda essa carga emocional, tão necessária ao bem viver. Tão melhores escritores serão quanto mais conseguirem misturar as suas próprias fantasias com as de seus leitores, num delicioso emaranhado em que o coletivo esteja presente.

Na fase adulta, algumas vezes as fantasias se misturam à ânsia de poder e à entrega ao deus do lucro, muito frequentes no mundo consumista. Pessoas com esse modelo psicológico estarão fadadas ao desencanto e à depressão em algum momento de suas vidas.

Na política, a fantasia se apodera do coletivo, e os inúmeros erros históricos de endeusamento de líderes que se tornaram monstros estão aí para confirmar isso.

A mídia sabe muito bem como fabricar e destruir mitos em curtos prazos de tempo, apenas jogando com a nossa capacidade de fantasiar.

Não por acaso, nos encantamos com as artes de todos os tipos, fontes constantes para os nossos devaneios. Os gregos, ao inventarem o teatro, já sabiam disso.

Ao atingir a velhice, aí sim, aparece o que chamamos de sabedoria, ou seja, a percepção verdadeira entre fantasia e realidade, chave de uma boa saúde mental. As pessoas se tornam mais serenas, mais pragmáticas, mais cônscias do que almejar.

Apesar de não ser, como dizem, a melhor idade, é sem dúvida a fase de maior equilíbrio emocional, até porque, sabedoras de que o tempo que lhes resta é curto, não mais se permitem a perdas desnecessárias do mesmo.

Com a chegada da senectude, já com sinais demenciais, novamente se volta o ser humano a mergulhar nos mais diversos delírios fantasiosos, aliás muito bem descritos nos compêndios geriátricos.

As fantasias funcionam sempre como estruturas protetoras, sublimação dos fatos, embelezamento dos mesmos e também como alívio pessoal.

Necessitamos delas para viver. 

Gabriel Novis Neves é mèdico em Cuiabá e ex-reitor da UFMT
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