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Ruy Martins Altenfelder Silva
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Quarta, 02 de julho de 2014, 11h30

O STF e o Estado de Direito

 

No final de 2012, a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a Ação Penal 470, com a condenação da maioria dos denunciados no escândalo conhecido como mensalão, trouxe um alento para os milhões de cidadãos responsáveis que aspiram viver numa nação sob o império da lei, e não num reino da impunidade. A sociedade saudou o momento histórico como um novo capítulo na consolidação do Estado de Direito no País, iniciada com o fim do regime de exceção que perdurou durante 21 anos. Logo em seguida, como ocorre em qualquer processo de mudança de comportamento social, surgiram polêmicas, dividindo opiniões sobre a “justiça” ou a “injustiça” das sentenças e sobre a própria postura do STF. Entre os argumentos contrários, pipocaram opiniões como “outros fizeram o mesmo e não foram punidos”, “o caso tem um viés político” e que tais. A favor, as manifestações da sociedade em apoio ao ministro Joaquim Barbosa, presidente do STF e relator do processo.

No meio da polêmica, se não passou despercebido, pelo menos ficou em segundo plano outro efeito da Ação Penal 470: mais uma vez se evidenciou a urgente necessidade da reforma modernizante do arcabouço jurídico da nação. Para isso, não basta uma – digamos – limpeza das estruturas e dispositivos obsoletos que retardam os julgamentos. Será necessário também empreender uma ação que atenue o ímpeto legiferante, que resulta em muitos projetos que, aprovados, ampliam a já confusa teia de leis, um bom número das quais condenadas ao lamentável fosso das “leis que não pegam” e, portanto, jamais serão cumpridas. Seja por serem inviáveis, seja por não encontrarem o respaldo da sociedade ou, ainda, seja por oferecerem escapes bem aproveitados pela defesa de réus que podem pagar competentes advogados.

Quando surgiram as primeiras denúncias do escândalo que viria a ser conhecido como mensalão, boa parte dos brasileiros manifestou descrença quanto ao desfecho do caso – em linguagem popular, poucos duvidavam que o caso terminaria em pizza, como tantos outros. Mas a análise do caso serviu para mandar para a lata do lixo (onde esperamos que permaneçam) conceitos que, de tão aéticos, contribuem para denegrir a imagem do Brasil no cenário internacional e enfraquecer valores da cidadania, sem os quais não há desenvolvimento sustentável nem construção da paz e igualdade social. Exemplar foi a manifestação da ministra Carmen Lúcia que, contundente, proferiu a mais clara condenação da conhecida (e tolerada) prática da caixa dois como um crime grave, que agride a sociedade brasileira.

Ao longo dos quase seis meses do julgamento da Ação Penal 470 – acompanhado com interesse pela TV, pela internet e pela imprensa nacional e internacional –, o STF adotou elogiável transparência, dando uma dimensão até didática sobre alguns dos mais valiosos fundamentos do Estado de Direito, entre os quais merecem destaque: a igualdade de todos perante a lei; a garantia de ampla defesa aos acusados; a valorização da ética e da honestidade na condução da coisa pública; a punição aos desvios do dinheiro público; a independência do Judiciário, esta dependente dos saberes e da coragem dos magistrados na aplicação das leis.

Em artigo anterior publicado no Estadão, propus a seguinte reflexão: “pode existir desenvolvimento econômico, social e político de uma nação, sem obediência aos princípios éticos? Em outras palavras, é possível o desenvolvimento a qualquer custo? Apesar da disseminação da crença em contrário, a história mostra que a resposta é negativa, pois, entendido em seu sentido mais abrangente, o desenvolvimento é impossível sem que dele participem cidadãos honestos, probos e comprometidos com os princípios éticos e morais, gerando um benéfico efeito cascata que, acredito, constitui, se não o único, pelo menos o mais promissor caminho para corrigir as graves injustiças e atenuar as perigosas tensões entre as nações, que marcam este início de século 21”. Acrescentaria agora um adendo: também para atenuar a tensão social, provocada pela escalada da violência que acompanha as grandes manifestações que, há um ano, vêm ocupando as ruas. Entre elas, já começam a ficar claros para a população os protestos abusivos e politiqueiros, que perdem ressonância na opinião pública.

Espero, como milhões de brasileiros, que o histórico julgamento da Ação Penal 470 gerará um benéfico efeito cascata contra a corrupção e contribuirá para sustentar a nova engenharia social, preconizada pelo desembargador Newton de Lucca, presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em seu livro Da ética geral à ética empresarial. Na obra, ele lista um conjunto de fatores que põem em xeque valores sociais e morais compartilhados e consensuais até recentemente. Entre eles, aparecem: 1) o forte declínio da credibilidade pública de instituições como o Parlamento, a polícia, o governo, a Igreja, a escola e o Judiciário; 2) a corrosão da autoridade dos mais velhos, dos políticos, das autoridades públicas, dos religiosos, dos professores; 3) o abalo sísmico representado pelo desemprego; 4) a aguda falta de oportunidades para os jovens, os idosos, as pessoas com deficiência, os analfabetos e os discriminados de toda sorte.

A correta e desideologizada atuação do STF no caso do mensalão também resultará, caso se confirme o empenho dos magistrados em manter a decisão original, num valioso resgate da confiança da sociedade no Judiciário, outro fundamento do Estado de Direito. Aliás, o mesmo reforço de credibilidade beneficiará outras instâncias do Poder Público, desde que seus integrantes se curvem diante da força da lei e não aceitem na administração pública interesses menores e outros abusos, seja em nome do pernicioso “jeitinho nacional”, seja em nome de um desvirtuado projeto de poder ou de uma distorcida fidelidade a ideologias de qualquer matiz.  

Ruy Martins Altenfelder Silva é presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas, do Conselho Superior de Estudos Avançados( Consea) da Fiesp/IRS e do Conselho de Administração do CIEE.
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