Cuiabá | MT 29/03/2024
Raoni Ricci
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Terça, 11 de março de 2014, 10h08

Salve a Ítala

- "A prefeitura precisa aperfeiçoar sua relação com as críticas. Não existe um complô para ferrar o prefeito."

Conheci o bar da Dona Ítala muito tarde. Era eleição em 2012. Naquela altura do campeonato pensar em segundo turno já não era possível nem em sonho e a angústia forçava a porta pra tomar conta. Mas sabe como é, brasileiro não desiste nunca.

Depois de uma manhã de trabalho na rua, aquele nosso calor de cada dia pedia sombra e água fresca.

Vamos pra Ítala! Convocou um amigo. Diante da minha cara de desconhecimento ele emendou pausadamente:

- Você, não, conhece a Ítala? Agora vai conhecer.

E foi assim que o aconchegante bar virou o caminho da roça daquele finalzinho de pleito. Tem gente que gosta da galinhada, da farofa de ovo. Eu gosto mesmo é da macarronada com frango. Não sei se é o molho na medida que eu gosto ou o tempero do frango, mas aquele prato me consome. A chave de ouro é a noiva. Cerveja sempre, mas sempre mesmo, estupidamente gelada.

Em uma ou duas sentadas por ali eu me senti como um marido traído. Como eu não conhecia aquele lugar? Vira e mexe encontrava alguém. Gente famosa, políticos e vários tipos. Outro dia, já com a eleição de 2014 na cabeça, me vi descendo aquela ladeira antiga, tenebrosa da Rua Nossa Senhora de Santana. A rua do bar da Ítala.

A podridão tomava conta e a Ítala varria a calçada. De "moage", apresentei a dona do estabelecimento para um amigo que me acompanhava:

- Esta é a dona Ítala. Este é o bar dela, local onde se serve o melhor macarrão com frango da América Latina.
Ela riu rapidamente, mas logo fechou o semblante. Acendeu um cigarro e abriu a boca.

- Servia, não sirvo mais. Servir pra quem. Olhe as mesas vazias. Sinta a podridão da brisa que passa. Ninguém mais senta aqui.
Minha reação natural foi chegar a fonte do problema. Aparentemente uma fossa estourada, com o esgoto escorrendo a céu aberto. No final da rua, a consequência maior. Aquela água nojenta se acumulava em frente as casas. Com a chuva, as invadia. O cheiro realmente insuportável.

Naquele dia, 28 de fevereiro, dona Ítala estava há 60 dias tentando resolver o problema, cansada. O velho e bom jogo de empurra.
Pensando em ajudar, peguei meu celular, fotografei e postei no Facebook. Repercussão imediata, comentários, declarações de apoio, de raiva. Em minutos, a prefeitura de Cuiabá entrou no circuito virtual desqualificando o post afirmando que não tinha responsabilidade, que a Cab é que tinha que agir.

Como non? Diria meu tio Bugiu. Quem é que deve fiscalizar a concessionária?

Mesmo alegando não ter responsabilidade, a prefeitura acionou a Cab, por email. Como mentira tem perna curta, a verdade foi irônica:

“Sobre reclamação encaminhada por você hoje a tarde trata-se de uma obstrução e transbordamento da galeria de água pluvial.

No endereço mencionado não há rede de esgoto. A manutenção de galerias é feita pela Secretaria de Obras, que foi comunicada do problema via ofício no dia 31 de janeiro.

Uma equipe da CAB esteve no local e informou a proprietária do comércio sobre a origem do transbordamento. Se puder auxiliar com outras informações estamos à disposição”, informou a assessoria da Cab.

A responsabilidade, afinal, era sim da prefeitura. Pior. A prefeitura já sabia do problema, mas fingiu que não era com ela. Pior ainda. Mesmo depois de exposta, da resposta, até hoje não agiu e sumiu do debate. Os moradores da rua ameaçam parar o trânsito nas redondezas caso não seja feito nada até quarta-feira (12).

De tudo isso, tiro algumas conclusões:

As redes sociais mudam significativamente o processo de comunicação. Eu, você e eles podemos noticiar, sendo jornalistas ou não, o que acontece na cidade. Mais. Podemos denunciar e cobrar as soluções.

A prefeitura precisa aperfeiçoar sua relação com as críticas, especialmente nas redes sociais. Não. Não existe um complô armado para ferrar o prefeito. Existem problemas e existem pessoas interessadas em ajudar para que eles sejam resolvidos. Não menospreze, entenda. Não patrulhe, interaja, compartilhe.

Enquanto isso, dona Ítala, beirando os 80 anos, segue na sua calçada, dividindo o cheiro da fumaça do cigarro com a podridão da rua, sozinha no seu boteco aconchegante, pensando em como vai pagar as contas da família.

A prefeitura, por enquanto, parece adotar uma filosofia moderna. Phoda-se a Ítala, como me disse um servidor municipal. Eu, por aqui ou pelo Facebook, levanto a bandeira #salveaitala, e ofereço um doce pra você que leu e compartilhou! E viva Cuiabá

RAONI RICCI é jornalista em Cuiabá
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