Cuiabá | MT 29/03/2024
Enildes Corrêa
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Sexta, 11 de abril de 2014, 14h27

Armazém dos Amigos de Cuiabá

Nasci em Cuiabá num tempo em que as pessoas, no fim da tarde, após o término do expediente de trabalho, sentavam-se à porta de suas casas, interagiam com os vizinhos e relaxavam no ritmo da nossa calma e pacífica cidade de então.

Algumas lembranças afloram, em especial, no aniversário de 295 anos de Cuiabá. Talvez por ver a capital de Mato Grosso extremamente judiada, agredida pelas obras da Copa 2014, como se tivesse sofrido um bombardeio... Agora, é chamada de ex-Cidade Verde. Todavia, nesta data especial, optei por não me contrariar com os descaminhos e desvios das obras da Copa em Cuiabá.

Caminho de volta no campo do tempo da Cuiabá de antigamente, pois, neste aniversário, meu sentimento é de nostalgia. Meus pais eram proprietários de um armazém de secos e molhados na Rua dos Bandeirantes, nas proximidades da Igreja de São Benedito, o qual fora aberto no início da década de 50. Tornara-se conhecido como o armazém de Seo Hélio.


Passava por lá muita gente da nossa cuiabania tradicional, além de figuras que se tornaram folclóricas de Cuiabá. Lembro-me de Zé Bolo Flor declamando suas poesias, de pés descalços, saco nas costas, chapéu surrado na cabeça. Os frequentadores mais assíduos desfilam pela minha memória, muitos dos quais já falecidos.

Produtos de qualidade singular eram vendidos em nosso armazém. Alguns, eram produzidos na fazenda de papai: doce de leite, rapadura de leite, queijo minas, carne seca, linguiça de porco etc. A boa fama desses e outros produtos típicos da nossa região corria de boca em boca, o que fazia inúmeras pessoas atravessarem a cidade para adquiri-los.

Desde criança, testemunhara meus pais atenderem a toda freguesia sem nenhuma discriminação. Fossem santos, pecadores, ricos, pobres, independentemente, ainda, da orientação sexual de cada um que pisasse naquele estabelecimento comercial. Todas as pessoas, mas todas mesmo, eram recebidas com educação, respeito e sincera gentileza. Até com os bêbados, tinham paciência admirável. Cresci envolvida por aquela atmosfera de gentileza e respeito na convivência humana, quer fossem clientes ou não.

Papai abria as portas do armazém às 04:00 horas, exatamente. Os fregueses madrugadores começavam a chegar. E, na madrugada, o público era masculino, basicamente. Uns senhores traziam seus rádios e escutavam lá o primeiro noticiário do dia.

Seo Aureliano, o padeiro, entregava o pão logo cedo, mamãe fazia o café, Maria Dias, a leal ajudante de cozinha, preparava os bolinhos sonhos. Para muitos da vizinhança e arredores da Rua dos Bandeirantes, era assim que começava o dia - no armazém de Seo Hélio e da Dona Quita -, bebendo café fresco, comendo sonhos bem feitos e quentinhos, ouvindo música sertaneja de raiz e boa prosa na companhia de bons amigos.

Só depois de o sol nascer, e após cumprido o ritual de passagem por lá, os madrugadores começavam a sua jornada de trabalho, sem estresse... Abasteciam-se, primeiramente, da forte energia da madrugada e do sentimento de amizade que unia os cuiabanos.

Naquele acolhedor,dinâmico e alegre pedaço de chão cuiabano, engolido na década de 70 pelas obras da Av. da Prainha, testemunhei a convivência pacífica e respeitosa entre brancos, negros, ricos, pobres, prostitutas, padres, freiras, inclusive, os pedintes que mamãe costumava ajudar sem jamais fazer alardes da caridade praticada diariamente. Para ela, todo dia era Dia de Santo. Lá dentro do armazém, nunca vi alguém hostilizar nem tratar seu semelhante com atitude de superior para inferior.

Ao emergir das águas do tempo passado da minha terra natal, ocorreu-me um nome para o estabelecimento comercial de Seo Hélio e da Dona Quita, que existiu em Cuiabá por cerca de quase 30 anos – Armazém dos Amigos de Cuiabá. Lá foi um canteiro de obras indestrutíveis e de rara beleza – a acolhida, a amizade e o respeito na convivência humana, de modo incondicional.

Quem dera ver os governantes de Mato Grosso e de Cuiabá espalharem em nossa Terra Mãe canteiros de obras idealizadas, planejadas e executadas a partir do respeito e do amor pelo povo mato-grossense! Essas, não seriam estragadas nem alagadas por qualquer enxurrada em dias de chuva em Cuiabá.

Salvemos Cuiabá!

Namaste, amigos do peito de Cuiabá! 

BENEDITA ENILDES DE CAMPOS CORRÊA é Administradora e Prof. de Yoga. Ministra seminários vivenciais às organizações governamentais e privadas.
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