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Pesquisa/Tecnologia
Quinta, 06 de julho de 2017, 06h03

Pesquisadores brasileiros incorporam flutuações quânticas ao conceito da entropia


A termodinâmica clássica nasceu, na primeira metade do século XIX, no rastro da revolução industrial, voltada para a otimização de máquinas e motores e focada no cálculo de grandezas como trabalho útil, energia dissipada e eficiência. De acordo com a segunda lei da termodinâmica, a energia mecânica pode ser completamente convertida em energia térmica, mas a energia térmica não pode ser completamente convertida em energia mecânica. Dessa assimetria, que impõe um sentido aos processos materiais e por decorrência à linha do tempo (que escoaria rumo a configurações de energia cada vez menos organizadas), surgiu, com o físico alemão Rudolf Clausius (1822 – 1888), o conceito de entropia, que se refere à parcela do calor que não pode mais ser transformada em trabalho, e, portanto, ao grau de irreversibilidade do sistema.

É possível estender os conceitos macroscópicos da termodinâmica à escala atômica ou subatômica? O que mudaria se fosse construído um motor com um único átomo? Como as leis termodinâmicas seriam afetadas pela mecânica quântica? Estas foram as cogitações que nortearam o artigo The Wigner entropy production rate, de autoria dos pesquisadores brasileiros Jader Pereira dos Santos (Universidade Federal do ABC), Gabriel Teixeira Landi (Universidade de São Paulo) e Mauro Paternostro (Queen’s University Belfast, Reino Unido), publicado, sob a rubrica “Editors' Suggestion” (“Sugestão dos Editores”), na revista Physical Review Letters.

O estudo foi apoiado pela FAPESP por meio do Auxílio à Pesquisa concedido ao projeto “Modelagem estocástica de sistemas quânticos fora do equilíbrio”, conduzido por Gabriel Teixeira Landi, que é também o supervisor do pós-doutorado de Jader Pereira dos Santos.

“A aproximação da termodinâmica com a mecânica quântica é bem recente, algo das últimas décadas, quando se tornou possível exercer um controle muito fino na manipulação de átomos e, literalmente, construir motores em escala atômica. Apesar de nosso estudo tratar de questões de física fundamental, de conhecimento puro, podemos visualizar diversas aplicações em sistemas microscópicos, como nanodispositivos e computação, criptografia e comunicação quânticas”, disse Landi à Agência FAPESP.

Os pesquisadores trataram especificamente da produção de entropia, isto é, da medida da irreversibilidade, em contextos quânticos, para a qual não havia, antes, uma teoria bem estabelecida. “Existiam teorias muito boas para medir a irreversibilidade no contexto clássico, isto é, na escala macroscópica. Mas não existiam teorias que permitissem medir quão irreversível era um processo quântico. As teorias anteriores, propostas com tal objetivo, apresentavam várias lacunas, várias incompletudes. Isso se devia, basicamente, ao fato de terem sido concebidas para sistemas clássicos e não para sistemas quânticos. Nossa contribuição veio ao encontro desse problema. O que fizemos foi propor uma nova teoria para descrever esse tipo de fenômeno”, afirmou Landi.

Sabe-se que a energia de um sistema fechado é conservada (conforme a primeira lei da termodinâmica). Mas a entropia tende sempre a aumentar (conforme a segunda lei da termodinâmica). Isso porque a irreversibilidade faz com que, a cada transformação, a energia se reconfigure de forma menos organizada. Pode-se falar em degradação da energia e definir entropia como a medida desse aumento espontâneo da desordem. O objetivo dos pesquisadores, com seu estudo puramente teórico, foi incorporar as contribuições quânticas ao processo.

“A ideia é que todo sistema apresenta, simultaneamente, dois tipos de flutuações: as flutuações térmicas, que advêm da agitação exterior das partículas, e as flutuações quânticas, que são, por assim dizer, um fenômeno intrínseco. Em altos patamares de energia, como aqueles obtidos em laboratório nos colisores de partículas, as flutuações quânticas são responsáveis pela criação e aniquilamento de pares de partículas e antipartículas. Mas tais flutuações ocorrem também em baixos patamares de energia, e, idealmente, até mesmo no zero absoluto. Nos processos macroscópicos, as flutuações térmicas são em geral mais importantes. Porém há situações em que as flutuações quânticas predominam e contribuem de forma mais significativa para a entropia”, explicou Landi.

A termodinâmica clássica trabalhou exclusivamente com as flutuações térmicas. Mas na escala atômica e subatômica, onde a física quântica se torna necessária para a descrição dos entes e fenômenos, a desordem decorrente das flutuações quânticas precisa ser considerada e computada. Segundo a mecânica quântica, mesmo que um sistema se encontre em um estado ideal no qual não exista qualquer agitação térmica – estado este definido como zero absoluto ou zero kelvin –, ainda assim ele apresentará uma tendência implícita à desordem devido a flutuações quânticas, associadas ao Princípio da Incerteza, de Werner Heisenberg (1901 – 1976).

Segundo o Princípio da Incerteza, variáveis complementares, como por exemplo a posição e o momento linear (produto da massa pela velocidade), não podem ser determinadas de forma precisa ao mesmo tempo. A incerteza manifesta-se, por exemplo, na dualidade partícula-onda. Devido ao comportamento ondulatório, o objeto não pode ser perfeitamente localizado no espaço. E apresenta-se ao observador como que esparramado, podendo flutuar entre várias posições possíveis.

“Eugene Wigner [Budapeste, Hungria, 1902 – Princeton, Estados Unidos, 1995], Prêmio Nobel de Física de 1963, apresentou uma interpretação probabilística da mecânica quântica. A chamada função de Wigner leva em conta tanto as flutuações térmicas quanto as flutuações quânticas. Trabalhando com a função de Wigner, conseguimos reformular a teoria de irreversibilidade, de modo a incorporar as flutuações quânticas ao conceito de entropia. Foi o que denominamos, em nosso artigo, como ‘entropia de Wigner’. Definimos entropia como a desordem associada à distribuição estatística descrita pela função de Wigner. A partir dessa definição, a construção de uma nova teoria e sua aplicação a sistemas quânticos seguiu naturalmente”, relatou Landi.

A grande novidade, segundo o pesquisador, foi que os resultados obtidos podem ser aplicados mesmo em sistemas a zero kelvin. Até o estudo em pauta, não havia repertório teórico capaz de explicar o efeito das flutuações quânticas no aumento da entropia no zero absoluto. “Embora a temperatura zero nunca seja alcançada na prática, pode haver situações, inclusive em laboratório, de temperaturas suficientemente baixas, da ordem de alguns kelvins, nas quais as flutuações quânticas se tornem mais importantes do que as flutuações térmicas. Em sistemas de óptica quântica, envolvendo lasers, até mesmo em temperatura ambiente as flutuações quânticas podem ser dominantes”, comentou.

Mais um aspecto explorado pelos pesquisadores foi o da interação do sistema com seu reservatório térmico. “É possível construir reservatórios com propriedades especiais, diferentes das propriedades de um reservatório clássico. Chamamos esses reservatórios de ‘estruturados’. Os reservatórios convencionais aportam flutuações simétricas ao sistema. Ao passo que os reservatórios estruturados podem aportar flutuações assimétricas”, contou Landi.

Tal assimetria poderá ser eventualmente utilizada para codificar informações no contexto da computação quântica. Mas este seria um objetivo mais distante. No imediato, como continuidade do estudo, os três pesquisadores estão considerando possíveis aplicações em comunicação, por meio de luz. “A ideia é usar o conceito de irreversibilidade para quantificar perdas em processos de comunicação por fibra óptica. Além da perda de energia, existe também a perda de coerência da luz. Nosso formalismo é capaz de dar conta de todos esses tipos de perda”, sublinhou Landi.

Outro foco de interesse é a propriedade do emaranhamento. O processo de emaranhamento ocorre quando pares ou grupos de partículas são gerados ou interagem de tal maneira que o estado quântico de cada partícula não pode mais ser descrito independentemente, já que depende do conjunto. A manutenção do emaranhamento é essencial para a computação quântica. Mas a interação do sistema com o ambiente produz perda de emaranhamento. “A ideia é usar nosso formalismo para estimar essa perda e, com isso, pensar em estratégias para minimizá-la”, concluiu o pesquisador. 

Agência Fapesp




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