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Pesquisa/Tecnologia
Terça, 19 de dezembro de 2017, 05h43

Como se forma a rocha produzida pelo impacto de meteoros ou explosões nucleares


Grão de coesita (cinza) em eclogito. A intrusão colorida é piroxeno. O rebordo cristalino é quartzo

A coesita é um polimorfo da sílica que precisa de altíssimas pressões para ser formado – na média, 10 mil vezes maiores do que a pressão atmosférica normal. Por isso, a presença de coesita em determinado sítio é um marcador de afloramento de material do manto terrestre (que se estende por profundidades de 30 quilômetros a quase 3 mil quilômetros abaixo da crosta do planeta), do impacto de corpos celestes (cometas, meteoros ou meteoritos) ou da ocorrência de explosão nuclear.

O mecanismo de transformação da sílica (SiO2) em coesita, que era mal compreendido pela comunidade científica, foi agora esclarecido, por meio de simulação atomística computacional, em estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), da Academia de Ciências da China (Hefei, China) e do The Abdus Salam International Centre for Theoretical Physics (Trieste, Itália).

O artigo Multiple pathways in pressure-induced phase transition of coesite, assinado pela cooperação internacional, foi publicado em Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), da Academia de Ciências dos Estados Unidos.

“Coesita é dióxido de silício. Sua composição química é a mesma do quartzo. A diferença é que a alta pressão desestrutura a rede cristalina característica do quartzo e compacta os átomos de silício e oxigênio em um sistema amorfo. O resultado é um vidro de alta densidade. Ultrapassada uma pressão-limite, o processo de amorfização torna-se irreversível e o material não consegue mais voltar à configuração cristalina”, disse Caetano Rodrigues Miranda, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo e autor principal do artigo, à Agência Fapesp.

Um objetivo no estudo da coesita é obter o que pode ser chamado de “o melhor vidro possível”. Há um horizonte de aplicação tecnológica, devido a propriedades específicas relativas à condutividade térmica e outras, mas, por enquanto, o maior interesse na pesquisa é utilizar os achados do material como marcadores de cenários de altíssima pressão, já mencionados. “A coesita é a ‘assinatura’ característica desses cenários”, resumiu Miranda.

No estudo, os pesquisadores superaram divergências que existiam em relação ao processo de transformação da coesita em outras fases (a octaédrica de alta pressão e as coesitas II e III) e chegaram a um modelo consistente com os dados observacionais, bem como descreveram os mecanismos moleculares adjacentes a essas transformações. “Seria muito difícil reproduzir em laboratório as condições de alta pressão encontradas no manto terrestre. Por isso, recorremos à simulação computacional, descrevendo as interações entre os átomos da forma mais realista possível, e mapeando, passo a passo, as transformações resultantes da variação de pressão”, informou o pesquisador.

A melhor maneira de acompanhar tal evolução é por meio do Efeito Raman, observado experimentalmente em 1928 pelo físico indiano Chandrasekhara Venkata Raman.

O efeito Raman refere-se ao espalhamento inelástico da luz pela matéria. Quando determinado material recebe um pulso de laser, a maior parte dos fótons é espalhada elasticamente pelas moléculas ou átomos do material – vale dizer, com a mesma frequência dos fótons incidentes. Porém, uma pequena porcentagem dos fótons é espalhada inelasticamente, com frequência em geral menor. O estudo desse espalhamento inelástico, por meio da espectroscopia Raman, possibilita determinar a composição e a estrutura do material. “É como se fosse a impressão digital do material”, comparou Miranda.

No caso em questão, o que os pesquisadores fizeram foi simular, a partir de dinâmica molecular, o espectro Raman das diferentes estruturas da coesita sob várias pressões. E, assim, obter a correlação da estrutura do material com a pressão envolvente, mapeando, passo a passo, os múltiplos caminhos de transformação da coesita até sua completa amorfização, ou nas fases cristalinas da sílica em altíssimas pressões.

“Cada estrutura apresenta um padrão bem característico no espectro Raman. À medida que a estrutura se modifica, devido à variação de pressão, esse padrão também muda. E isso nos possibilita saber quais são as estruturas em presença e como elas se transformam em função da pressão. A comparação com os resultados experimentais permite validar o modelo adotado”, sintetizou Miranda.

“Os tamanhos das ligações, os ângulos entre elas, os modos de vibração dos átomos são variáveis que o procedimento fornece. Mesmo sendo uma estrutura amorfa – portanto com uma configuração muito menos regular do que a do quartzo, por exemplo, que é cristalino –, a coesita possui uma digital característica na espectroscopia Raman”, prosseguiu.

“No cristal, as distâncias entre os átomos que formam a rede e os ângulos compostos pelos segmentos que unem os diferentes átomos são sempre os mesmos. Isso produz um pico muito bem definido na espectroscopia. À medida que o material se amorfiza, esse pico transforma-se em um platô alongado”, acrescentou.

Um trabalho muito interessante, realizado pelo pesquisador da USP em paralelo, foi a “sonificação” dos espectros encontrados. A “sonificação”, no caso, consiste em converter as altas frequências características da luz em baixas frequências típicas do som. “A sonificação possibilita utilizar a audição em vez da visão na análise dos dados. Do ponto de vista científico, a vantagem desse procedimento decorre do fato de a audição permitir identificar melhor pequenas variações ou dados mais complexos. É mais fácil ouvir do que ver. Além disso, há também uma vantagem do ponto de vista artístico, pois, com os fragmentos sonoros obtidos, é possível compor música. Estabelece-se assim uma ponte entre ciência e arte”, afirmou Miranda. A descoberta de amostras de coesita na Cratera de Chicxulub, localizada na Península de Iucatã, no México, tornou-se uma forte evidência de que essa formação geológica tenha sido constituída pelo impacto de um cometa ou grande asteroide.

Essa cratera, de formato circular e com mais de 180 quilômetros de diâmetro, enterrada sob a superfície da península, foi descoberta, no final da década de 1970, pelos geofísicos Antonio Camargo (México) e Glen Penfield (Estados Unidos), que prospectavam petróleo na área. Sua presumível caracterização como cratera de impacto só pôde ser realizada em 1990, quando Penfield obteve fragmentos de rochas formadas sob alta pressão na região.

Em 2016, uma perfuração de centenas de metros, na área do epicentro da cratera, forneceu amostras de coesita e outras rochas que praticamente encerraram o assunto, fornecendo evidências robustas do impacto.

O impacto que produziu a cratera foi 2 milhões de vezes mais potente do que o maior artefato nuclear já testado pela humanidade, a Bomba Tsar, de 58 megatons, detonada pela União Soviética em 1961.

A data do impacto, estimada em pouco menos de 66 milhões de anos atrás, converge com a hipótese de uma súbita mudança climática nesse período, que teria provocado a extinção de 75% de espécies de plantas e animais do planeta, inclusive de todos os dinossauros não aviários. Além de um megatsunami e de uma gigantesca onda de choque, seguida por terremotos, erupções vulcânicas, incêndios e outras ocorrências em escala global, o impacto levantou uma nuvem de poeira e aerossóis que teria coberto toda a superfície da Terra por cerca de uma década. 

Agência Fapesp




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