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Quinta, 08 de fevereiro de 2018, 05h49

Livro investiga rumos do teatro político paulistano contemporâneo


O processo de politização do teatro brasileiro – especialmente do teatro paulistano – pode ser divido em três momentos, segundo Sérgio de Carvalho, professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e diretor do grupo teatral Companhia do Latão.

O primeiro, nas décadas de 1920 e 1930, mais literário do que propriamente teatral, porque as criações do período só foram à cena muito depois, com obras como O Rei da Vela (Oswald Andrade) e Café (Mário de Andrade).

O segundo, nas décadas de 1950 e 1960, centrado nas produções do Teatro de Arena e do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC-UNE), com obras como Eles Não Usam Black-Tie (Gianfrancesco Guarnieri) e Arena Conta Zumbi (Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri). E o terceiro, no final dos anos 1990, tendo como marco inicial o movimento “Arte contra a barbárie”, levando à multiplicação de experiências de teatro de grupos e à criação de Lei de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo, em 2002.

Segundo o ator e pesquisador Artur Sartori Kon, a vitalidade desse terceiro momento exauriu-se ao longo da década de 2000, com os grupos trilhando caminhos divergentes, teóricos e práticos. Mas a produção teatral de vanguarda que veio depois nem por isso teria deixado de ser política.

É desse momento mais recente, compreendido entre 2008 e 2015, que trata o seu livro Da teatrocracia: estética e política do teatro paulistano contemporâneo, recém-publicado com apoio da Fapesp.

O livro é resultado da dissertação de mestrado de Kon, apresentada no Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo e centrada na investigação da produção cênica recente na cidade de São Paulo em cotejo com as filosofias do judeu-alemão Theodor Adorno (1903-1969) e do franco-magrebino Jacques Rancière (nascido em 1940).

“São peças pós-dramáticas ou ‘não textocêntricas’ – o que significa que não eliminaram o texto, mas o tomam como um dos elementos, entre outros, da configuração cênica – que saem do espaço fechado do edifício teatral em direção ao espaço público ou que ocupam tanto o palco quanto as ruas (...). O principal não seria o abandono de toda a forma de representação em favor de uma intervenção diretamente inscrita na realidade, mas ‘a reconfiguração do campo visível, representável’, no palco ou nas ruas”, escreveu o prefaciador do livro, Ricardo Nascimento Fabrini, professor do Departamento de Filosofia da USP e orientador do mestrado de Kon.

De certo modo, a produção teatral mais recente, investigada pelo pesquisador, é um desdobramento daquele terceiro momento de politização, protagonizado pelo teatro de grupo, porém colocando em pauta as próprias contradições ou impasses vividos por esses coletivos teatrais.

“Esse terceiro momento esteve muito ligado a uma politização do movimento teatral como movimento de trabalhadores, reivindicando políticas públicas para poder realizar o seu trabalho. Antes que começasse o atual desmonte das políticas públicas, a Lei de Fomento ao Teatro foi fundamental para a viabilização do teatro de grupo, que começou em São Paulo e repercutiu nacionalmente”, disse Kon à Agência Fapesp.

“Surgiram coletivos que estão ativos até hoje, como Companhia do Latão, Folias da Arte, Companhia São Jorge de Variedades e outros. Mas houve um período em que os grupos passaram a se questionar: se nós queremos formas mais horizontais, democráticas e justas de organização da sociedade, precisamos ter formas mais horizontais, democráticas e justas de organização de nossos próprios coletivos”, disse.

Segundo o pesquisador, isso produziu uma cena menos submetida a uma visão única, que tradicionalmente é a visão do dramaturgo ou do diretor, e mais plural, mais capaz de abarcar contradições, que são fundamentais para pensar a sociedade e o próprio teatro.

“A Cia. São Jorge de Variedades, por exemplo, montou um espetáculo interessantíssimo desse ponto de vista, Quem não sabe mais quem é, o que é e onde está precisa se mexer, que se baseou em textos de Heiner Müller [dramaturgo e escritor alemão, 1929-1995], mas trouxe uma grande multiplicidade contraditória de fragmentos que foram revelando os impasses da politização e do próprio processo colaborativo”, disse.

“Não devemos entender o processo colaborativo nem como um ideal longínquo nem como algo que foi realizado com procedimentos claros. O processo colaborativo se dá no campo das contradições reais dos grupos, na abertura dos grupos para a democratização. Nesse sentido, o movimento vingou, porque produziu processos e produtos de fato transformados e abertos para novidades. Ao mesmo tempo, teve também limitações, já que alguns grupos continuaram muito marcados por princípios de autoria e figuras de autoridade. Derrida [o filósofo franco-magrebino Jacques Derrida, 1930-2004] dizia que a democracia está sempre por vir. O processo colaborativo também está sempre por vir. Mas, se imaginarmos que esse porvir é algo muito distante, acabaremos largando mão dele”, disse Kon.

Rancière afirmou que os conflitos políticos são disputas sobre “o que é visível; o que pode ser dito sobre ele; quem tem o direito de dizer e agir a respeito”. Seguindo essa linha de raciocínio, Kon estruturou seu livro em três partes.

Na primeira, investigando “como o teatro paulistano contemporâneo desfaz fronteiras preestabelecidas entre visível e invisível”. Na segunda, estabelecendo “as condições para que, nesse teatro, algo possa ser dito, sem com isso retornar a um teatro engajado, com uma compreensão discursiva das contradições sociais”.

Na terceira, discorrendo “sobre a possibilidade de se questionar quem pode ser o sujeito do discurso das obras de arte, uma vez que as teorias do teatro contemporâneo parecem recusar qualquer discurso unificado vindo do artista em direção ao espectador, qualquer caráter didático tentando convencê-lo ou dominá-lo”.

Isso tudo baseado nas ideias de que “não basta seguir irrefletidamente o caminho do teatro político do passado” e de que “é preciso seguir buscando construir possibilidades de um futuro que não seja mera continuação do presente”.

“Costumamos medir a politização do teatro a partir da suposta eficácia da obra: determinado teatro faz pensar, determinado teatro faz entender os mecanismos da sociedade, determinado teatro faz perceber a necessidade de mudança. Isso tudo é muito problemático no campo artístico, porque pressupõe uma instrumentalização da obra, que está em flagrante contradição com a própria natureza do fenômeno estético”, disse Kon.

“Penso que a arte não tem por função criar ou compartilhar um entendimento, uma compreensão do mundo, mas lidar com questões que ainda não têm resposta, lidar com aquilo que ainda não conseguimos compreender de modo finalizado. É um trabalho de desconstruir entendimentos, percebendo que, na verdade, entendemos muito menos do que supomos, e aquilo que supomos entender de fato nos atrapalha”, disse.

Da Teatrocracia: estética e política do teatro paulistano contemporâneo
Autor: Artur Sartori Kon
Editora: Annablume
Ano: 2017
Páginas: 308
Preço: R$ 77,50  

Agência Fapesp




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