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Pesquisa/Tecnologia
Terça, 06 de março de 2018, 04h31

Técnica de neuroimagem ajuda a entender efeitos da epilepsia no cérebro


Estudo multicêntrico com participação do CEPID BRAINN avaliou o cérebro de mais de 3,8 mil voluntários em busca de alterações anatômicas específicas de cada subtipo da doença

Um consórcio internacional de pesquisa analisou, com técnicas de neuroimagem, o cérebro de mais de 3,8 mil voluntários de diferentes países. É o maior estudo do tipo já feito. O objetivo foi investigar semelhanças e diferenças anatômicas presentes no cérebro de indivíduos com diferentes tipos de epilepsia e, assim, buscar marcadores que auxiliem no prognóstico e no tratamento.

A pesquisa multicêntrica contou com a participação do Instituto de Pesquisa sobre Neurociências e Neurotecnologia (BRAINN), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da Fapesp sediado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Os resultados foram divulgados no periódico internacional Brain.

“O avanço nas técnicas de neuroimagem tem permitido detectar alterações estruturais no cérebro de pessoas com epilepsia que antes passavam despercebidas”, contou Fernando Cendes, professor da Unicamp e coordenador do BRAINN.

“Porém, existiam muitas discrepâncias nos estudos anteriores, que incluíram algumas dezenas ou centenas de voluntários. Nosso objetivo era fazer esse tipo de análise em uma série realmente grande de pacientes para obter dados mais robustos”, disse.

O termo epilepsia abrange um conjunto de desordens neurológicas cujo traço comum é a alteração temporária do funcionamento cerebral sem uma causa aparente, como febre alta ou uso de psicoativos.

Por alguns momentos, parte do cérebro passa a emitir sinais incorretos, que podem ficar restritos a um local ou espalhar-se por todo o órgão. Essas falhas no processamento causam as crises epilépticas, que podem ir de distorções na percepção e movimentos descontrolados até mesmo a convulsões e perda de consciência.

A frequência e a gravidade das crises – bem como a resposta à terapia medicamentosa – variam de acordo com a parte do cérebro afetada e outros fatores ainda não completamente conhecidos. Dados da literatura científica indicam que aproximadamente um terço dos pacientes não responde bem às drogas antiepilépticas. Estudos mostram que esses indivíduos são mais propensos a desenvolver alterações cognitivas e comportamentais com o passar dos anos.

A nova pesquisa foi conduzida no âmbito de um consórcio internacional chamado ENIGMA (acrônimo em inglês para Melhorando a Neuroimagem Genética por Metanálise), dedicado a estudar diversas doenças neurológicas e psiquiátricas. Participaram deste estudo 24 centros, de diversos países, ligados ao subgrupo do consórcio que trata de epilepsia.

“Cada centro ficou responsável por coletar e analisar os dados de seus pacientes. Em seguida, todo o material foi enviado para o Imaging Genetics Center, da University of Southern California, nos Estados Unidos, centro responsável por consolidar os resultados em uma metanálise”, contou Cendes.

Ao todo, foram incluídos dados de 2.149 pessoas com epilepsia e 1.727 indivíduos controle (sem doença neurológica ou psiquiátrica). A Unicamp foi o centro com a maior amostragem: 291 pacientes e 398 controles.

Todos os participantes foram submetidos a exames de ressonância magnética. Como explicou Cendes, foi usado um protocolo específico para aquisição da imagem em três dimensões. “Isso permite que, com o auxílio de programas de computador, seja feito um pós-processamento das imagens. Elas são segmentadas em milhares de pontos anatômicos, que são avaliados e comparados um a um”, explicou.

O objetivo da análise quantitativa, segundo o pesquisador, foi identificar regiões do cérebro que estão atrofiadas, ou seja, áreas em que a espessura cortical está reduzida em relação ao grupo controle.

Os pacientes incluídos no estudo foram divididos em quatro subgrupos: epilepsia do lobo temporal mesial com esclerose hipocampal à esquerda; epilepsia do lobo temporal mesial com esclerose hipocampal à direita; epilepsia generalizada genética; e um quarto grupo que abrangeu vários subtipos menos comuns da doença.

“A epilepsia de lobo temporal é uma forma focal da doença, ou seja, atinge uma região específica do cérebro. É também o subtipo de epilepsia refratária ao tratamento mais comum no adulto. Sabemos que quando acomete o hemisfério esquerdo produz um quadro diferente e mais grave do que quando atinge o hemisfério direito. São doenças distintas”, explicou Cendes.

Já a forma generalizada genética, embora atinja o órgão de maneira difusa, costuma ser mais facilmente controlável por meio de fármacos e ter uma evolução menos deletéria para o paciente, disse Cendes.

“Os exames de ressonância magnética comuns não revelam alterações anatômicas nos casos de epilepsia generalizada genética. Um dos objetivos deste estudo era confirmar se também nestes pacientes existiam áreas de atrofia e vimos que sim”, contou.

Primeira análise

Inicialmente, os pesquisadores avaliaram dados dos quatro subgrupos de pacientes em conjunto e compararam com o controle. O objetivo era investigar se existiam alterações anatômicas comuns a todas as formas de epilepsia. A análise incluiu tanto pacientes que já convivem com a doença há muitos anos como também aqueles recentemente diagnosticados.

“Foi possível notar que os quatro subgrupos apresentam atrofias em regiões do córtex sensitivo motor e também em algumas áreas do lobo frontal”, disse Cendes.

Segundo o pesquisador, esse dado mostra que, no caso da epilepsia de lobo temporal mesial, existem alterações que vão além da área onde as crises epilépticas são geradas (hipocampo, para-hipocampo e amígdala). O acometimento do cérebro, portanto, é ainda maior do que se imaginava.

“Pacientes com mais tempo de doença apresentaram maior área do cérebro comprometida. Isso reforça a hipótese de que, à medida que a doença progride, mais regiões cerebrais vão ficando atrofiadas e mais prejuízos cognitivos aparecem”, comentou Cendes.

O passo seguinte foi analisar os subgrupos de pacientes separadamente, em busca de alterações características de cada forma da doença. Os resultados confirmaram, por exemplo, que a epilepsia do lobo temporal mesial com esclerose hipocampal à esquerda apresenta alterações em circuitos neuronais distintos dos afetados pela epilepsia do lobo temporal mesial com esclerose hipocampal à direita.

“Uma doença não é simplesmente o espelho da outra. Quando o hemisfério esquerdo é atingido o acometimento é mais intenso e mais difuso. Antigamente se acreditava que isso acontecia porque o hemisfério esquerdo é dominante para a linguagem, mas parece ser algo além disso. Ele é de alguma forma mais vulnerável que o direito”, disse Cendes.

No subgrupo de epilepsia generalizada genética foi possível notar atrofias em regiões do tálamo, localizado na região central profunda do cérebro humano, acima do hipotálamo, bem como do córtex motor. “É uma alteração sutil, mas presente em comparação aos indivíduos controle”, afirmou Cendes.

Na avaliação do coordenador do BRAINN, os achados publicados no artigo deverão beneficiar as pesquisas na área e, no futuro, terão implicações também no diagnóstico da doença. Em paralelo à análise de alterações anatômicas, o grupo está avaliando alterações genéticas que possivelmente poderão explicar determinados padrões hereditários no contexto das atrofias cerebrais. Os resultados das análises genéticas deverão ser publicados em breve.

“Sabendo que existe uma assinatura mais ou menos específica de cada subtipo da doença, em vez de procurar alterações em todo o cérebro podemos nos concentrar nas áreas suspeitas, reduzindo o custo, o tempo e ampliando o poder estatístico das análises. Em seguida, será possível correlacionar essas alterações com disfunções cognitivas ou alterações comportamentais”, disse Cendes. 

Agêcnia Fapesp




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