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Pesquisa/Tecnologia
Quinta, 26 de julho de 2018, 06h04

Mineração de patentes indica rotas promissoras para pesquisas


Novas moléculas conjugadas podem estender a ação do fator VIII recombinante sintético, usado para pessoas com hemofilia do tipo A, doença que impede a coagulação do sangue.

A identificação foi feita por pesquisadores do Núcleo de Pesquisas em Inovação, Gestão Tecnológica e Competitividade (InGTeC) e do Centro de Terapia Celular (CTC), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) – ambos financiados pela FAPESP e pertencentes à Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto.

O fator VIII recombinante é uma proteína produzida sinteticamente a partir de células humanas para tratar pacientes que sofrem da hemofilia do tipo A, doença causada por mutações genéticas que ocorrem nas regiões do DNA do cromossomo X responsáveis pela produção da proteína.

Descobrir uma maneira de fazer o fator VIII recombinante atuar por mais tempo no organismo pode melhorar muito a vida de hemofílicos, ao reduzir o número de aplicações da proteína e diminuir o custo do tratamento. Segundo o Ministério da Saúde (MS), o Brasil registra 12.516 hemofílicos, sendo 10.462 com hemofilia do tipo A e 2.054 do tipo B.

O estudo permitiu a identificação de uma molécula, chamada XTEN, como grande promissora na inovação da produção do fator VIII recombinante que prolonga sua meia-vida, isto graças aos conhecimentos produzidos no InGTeC e no CTC da USP na análise das patentes do setor.

O grupo utilizou ferramentas de big data, como mineração de dados e análise de redes, para desenvolver um método que facilita a vida de cientistas e de empresas na busca por rotas, tendências e parcerias tecnológicas em qualquer área do conhecimento. A nova metodologia identifica tendências tecnológicas a partir de informações obtidas em bancos internacionais de patentes.

Mais do que levantar as patentes em uma área, o método identifica as rotas tecnológicas utilizadas por empresas e universidades em vários países, as que estão se desenhando como tendência e as redes de parceria entre empresas e instituições científicas que atuam no setor.

Inovador, o método está descrito em artigo que acaba de ser publicado na Nature Biotechnology. Também já estão em andamento pesquisas para traçar rotas tecnológicas nas áreas de energia solar, biocombustíveis, sementes e plantas medicinais. Os resultados dessas pesquisas serão publicados futuramente.

O estudo agora publicado é resultado do pós-doutorado do biólogo Cristiano Gonçalves Pereira na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP, com Bolsa da FAPESP.

O trabalho detectou outras tendências em pesquisa e inovação na produção do fator VIII recombinante. Um é sua produção em larga escala com maior qualidade.

“As pesquisas caminham no sentido de adicionar suplementos à proteína para ter uma concentração mais robusta e apurada da mesma. Também observamos tecnologias voltadas para reduzir a imunogenicidade, que é a resposta que o organismo do paciente dá à proteína recombinante”, disse Pereira à Agência FAPESP.

Essa busca se dá porque, mesmo sendo produzido a partir de células humanas, os pacientes podem rejeitar o fator VIII recombinante pelo fato de que o sistema imune pode identificar essa proteína como um corpo estranho e atacá-la.

A pesquisa mostrou ainda que os Estados Unidos são o principal país quando se trata de produção nesse campo, que há um grupo de empresas europeias que colaboram fortemente entre elas e se mostraram mais influentes em relação aos laços de cooperação e que o Brasil não aparece na rede de colaborações, provavelmente porque o país colabora apenas pontualmente nesse campo.

O estudo do fator VIII recombinante foi um dos exemplos práticos utilizados para desenvolver o método que traça rotas tecnológicas a partir do estudo de Pereira orientado por Geciane Silveira Porto, professora na FEA-RP e coordenadora do InGTeC. O trabalho contou com colaborações de Virgínia Picanço-Castro e de Dimas Tadeu Covas, respectivamente pesquisadora do CTC e coordenador do centro.

A pesquisa teve apoio da FAPESP, que investiu no desenvolvimento de estudos relacionados às rotas tecnológicas do fator VIII recombinante, de energia solar e de biocombustíveis, além de conceder apoio aos pesquisadores para utilizar uma base de patentes que congrega os pedidos feitos em escritórios de registro de propriedade intelectual em todo o mundo.

Redes de cooperação

Para fazer a mineração em banco de patentes, os pesquisadores utilizaram a plataforma Derwent Innovation, que reúne as patentes depositadas em quase 100 escritórios de patentes existentes em todo o mundo, incluindo o Brasil.

Foram encontradas 3.424 patentes sobre o fator VIII recombinante, registradas entre 1997 e 2016, e considerados os últimos 20 anos, por ser o período de vigência de uma patente. Os últimos dois anos ficaram de fora, uma vez que as patentes depositadas nesse período estavam ou estão em período de sigilo, de acordo com as regras de patenteamento.

Por que usar patentes em vez de artigos científicos? “A base de patentes é mais robusta e permite traçar melhor o estado da arte no campo de interesse. Além disso, citações de artigos científicos são uma escolha, o autor decide quais quer citar na sua pesquisa. Em patentes, é obrigatório citar as que são utilizadas para desenvolver aquela inovação, mesmo que seja patente de um concorrente”, disse Pereira.

Depois do levantamento, era preciso ler mais de 3,4 mil documentos, o que não seria possível sem instrumentos da chamada ciência de dados (big data), como a mineração de dados, quando, utilizando ferramentas específicas, faz-se o tratamento dos dados em uso.

Foram empregados métodos como, por exemplo, o de análise de textos, fazendo a mineração dos termos mais citados, e o de análise de redes, que utiliza recursos computacionais para estudar a interação entre atores diversos, em qualquer área.

“Nossa primeira preocupação foi ver como a cooperação ocorre e montar as redes de cooperação. Então, observamos quem são os titulares das patentes, quem está cooperando com quem, a interação universidades-institutos de pesquisa-empresas, quem é o mais e menos influente da rede, quem precisa de parceria e outros fatores”, disse.

O passo seguinte foi fazer o estudo de prospecção tecnológica para entender o que tem surgido nos últimos anos e verificar as tendências para os próximos.

“Para isso, utilizamos o estudo de citações e temas de patentes, fazendo uma análise de títulos e a mineração de termos mais frequentes nos últimos 20 anos. Fizemos o mesmo para os últimos cinco anos, de forma a chegarmos nas tendências”, disse Pereira.

O método gerou duas redes, uma relacionada às cooperações, identificando empresas ou instituições de pesquisa que seriam os principais nós articuladores das redes, e outra que trata das citações de patentes. “Essa última mostra como uma tecnologia ajudou a construir a outra ou o fluxo do conhecimento”, disse.

Como as inovações são resultado, em geral, da combinação de mais de uma patente, é possível concluir que uma combinação de patentes mais frequentemente citada indica uma tendência em termos de rota tecnológica.

Para fazer a análise das citações e buscar as rotas tecnológicas, Pereira adaptou um plugin desenvolvido pela equipe do InGTeC ao software Gephi para o cálculo do Search Path Link Count, que calcula quantas vezes a rota mais frequente foi utilizada.

O estudo não resultou em um software ou plataforma automaticamente aplicável, mas, segundo Pereira, é possível reproduzir o método na prospecção de qualquer área a partir das explicações dadas no artigo publicado na Nature Biotechnology.

Até mesmo o plugin customizado para a prospecção do fator VIII recombinante é apresentado no trabalho, mas se houver dificuldades para fazê-lo em outras áreas é possível pedi-lo ao InGTeC.

De olho no mercado

A coordenadora do InGTeC, Geciane Silveira Porto, ressalta que atualmente se observa a valorização das patentes no meio acadêmico, onde tem havido um movimento por aumentar o número de depósitos.

“A proposta de identificar rotas tecnológicas poderá auxiliar pesquisadores a saber quais são as tecnologias emergentes em suas respectivas áreas. Dessa forma, ao delinear os seus projetos de pesquisa, poderão propor estudos que estejam na fronteira científica e tecnológica”, disse.

O mapeamento das rotas também é importante para as empresas. “Com ele, é possível disponibilizar para um gerente ou diretor de P&D&I [pesquisa, desenvolvimento e inovação] um cenário em que se pode identificar quais são as tecnologias emergentes em seu setor de atuação, ou em setores nos quais a empresa deseja investir, e comparar o estágio de maturidade tecnológica da sua empresa com as que detêm as principais tecnologias nas rotas mapeadas”, disse Porto.

“De posse dessa informação, o gestor pode buscar uma parceria tecnológica, uma transferência de tecnologia ou mesmo adquirir ou investir em empresa quando ela é uma startup. A contribuição da metodologia para a área de inteligência estratégica das empresas é muito significativa”, disse.

Busca de patentes

A ideia de Pereira desenvolver um método para minerar dados de patentes para traçar rotas tecnológicas casou com uma demanda do CTC, que detém patente relacionada à produção do fator VIII recombinante.

Segundo Virgínia Picanço-Castro, os pesquisadores do centro financiado pela FAPESP e sediado no Hemocentro de Ribeirão Preto queriam saber quais seriam as empresas-alvo se procurassem por um parceiro.

“Em conversa com o InGTeC, surgiu a possibilidade de se desenvolver algum tipo de ferramenta que permitisse identificar esses potenciais parceiros e também quais seriam as rotas tecnológicas que estão seguindo”, disse.

De acordo com Picanço-Castro, o método já ajudou o CTC tanto na avaliação de que os pesquisadores estão no caminho correto – ao estudar a questão da estabilidade da proteína – como na definição de seus próximos passos e identificação de possíveis parceiros.

“Se quisermos fazer uma pesquisa básica que busque, um dia, se tornar aplicada, temos de observar as patentes para saber para onde o mundo está indo. E mesmo que tenhamos como foco a publicação científica, acadêmica, temos de observar as patentes para identificar questões que sejam de interesse mundial, pois, do contrário, o trabalho será de baixo impacto”, disse a pesquisadora. 




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