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Quarta, 17 de outubro de 2018, 06h07

Secularismo brasileiro passa por reconfiguração


País tradicionalmente marcado pela formação católica, no Brasil o secularismo – o princípio da separação entre instituições governamentais e religiosas – tem passado por uma reconfiguração. O principal motivo é a expansão expressiva das igrejas evangélicas e sua crescente influência na mídia, nas esferas políticas e nas instituições governamentais.

A relação entre religião, direito e secularismo e a reconfiguração do “repertório cívico no Brasil contemporâneo” são tema de um Projeto Temático apoiado pela Fapesp e conduzido por Paula Montero, professora titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), que presidiu de 2008 a 2015.

Montero falou sobre o projeto, que reúne 24 pesquisadores da USP, Cebrap, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), além de colaboradores da Ottawa University (Canadá) e do Institut Marcel Mauss-CNRS (França), na Fapesp Week Belgium, realizada nas cidades de Bruxelas, Liège e Leuven de 8 a 10 de outubro de 2018.

“Investigamos as relações contemporâneas das principais organizações religiosas brasileiras com o campo político e o Estado. Este assunto é importante em vista de algumas recentes mudanças estruturais na sociedade brasileira que têm afetado profundamente a configuração do secularismo brasileiro, ou seja, a forma como as religiões se relacionam com a vida pública”, disse Montero.

“Uma dessas mudanças importantes tem a ver com o fim do regime militar e a transição para um novo regime democrático consagrado na Constituição de 1988. Outra mudança está relacionada com o declínio da hegemonia política e cultural da Igreja Católica, que até recentemente deu sentido à nossa ideia de nação e justiça. Esse declínio está associado, em parte, com a rápida expansão das igrejas evangélicas”, disse.

Montero apresentou dados sobre as mudanças ocorridas nas três últimas décadas nos cenários religioso e político brasileiros, como o grande aumento no número de evangélicos, que passou de 6,6% da população em 1980 para 22,2% em 2007. Apesar de continuarem a maioria no país, católicos caíram de 89,2% em 1980 para 64,6% em 2010.

“É claro que a diversificação religiosa de não cristãos no Brasil ainda é esmagadoramente menor quando comparada aos dois blocos cristãos”, disse Montero. “Espíritas correspondem a 40% dessa diversidade, enquanto as religiões africanas são apenas 0,3% do total, apesar da sua enorme importância no imaginário nacional brasileiro.”

Segundo a pesquisadora, a nova configuração do secularismo brasileiro é conflitante. “O novo direito pluralista de igualdade religiosa muitas vezes entra em conflito com o princípio republicano clássico de liberdade religiosa, colocando sob pressão a neutralidade do Estado”, disse.

Essa pressão também se mostra importante no Congresso brasileiro, com o crescimento da representação política evangélica, que aumentou de 6,23% em 2006 (com 32 de 513 deputados) para 14,42% (74 deputados) em 2014. “Os líderes religiosos evangélicos, diferentemente dos católicos, usam cada vez mais suas posições nas igrejas para promover suas candidaturas”, disse.

“Uma parte significativa das pesquisas contemporâneas sobre secularismo assume que religião e política são (ou deveriam ser) dois campos separados. Partindo do pressuposto de que os fenômenos religiosos são privados, que a fé religiosa é resultado de escolha individual, a literatura sobre o secularismo tem-se preocupado em criar formas de medir o grau de secularidade das organizações estatais e de descrever diferentes instrumentos jurídicos para evitar que as religiões estejam no espaço público”, disse Montero, que é membro da coordenação adjunta de Ciências Humanas e Sociais e das coordenações dos programas de Melhoria do Ensino Público e de Pesquisa em Políticas Públicas.

“No entanto, exemplos do Brasil e de outros países não europeus têm contribuído para o surgimento de um novo consenso analítico: o conceito de secularização – que pressupõe a privatização da religião e a diferenciação entre a esfera pública e a privada – é um conceito normativo político demasiadamente ocidental. Nesse sentido, este conceito não é útil para descrever a nova dinâmica das democracias pluralistas contemporâneas, que precisam abordar a questão de acomodar as diferenças étnicas e religiosas em uma esfera pública secular”, disse.

Segundo Montero, no caso brasileiro a agenda pluralista colocou os princípios da neutralidade do Estado e da separação entre religião e política sob o foco da crítica religiosa minoritária.

“Em nome do pluralismo, muitas instituições religiosas apresentaram um ativismo extraordinário nos espaços públicos, provocando as cortes, manifestando-se nas ruas e ocupando diversos espaços nas agendas governamentais e na esfera legislativa.”

Religiões públicas

“Em nosso Projeto Temático apoiado pela Fapesp, estamos trabalhando com a hipótese de que a recente competição pelo espaço cívico-político por parte das religiões mudou a natureza do discurso religioso. Evangélicos, católicos e afro-brasileiros, em resposta ao ativismo secular ou antirreligioso, apropriaram a linguagem legal para seu próprio propósito religioso. Os agentes religiosos aprendem como desenvolver línguas públicas que lhes permitam mostrar o seu interesse religioso na linguagem legal-política de direitos, como a liberdade religiosa e a tolerância”, disse Montero.

Segundo ela, esse movimento metodológico faz refletir sobre os limites teóricos do uso da religião como um fenômeno autoevidente.

“O conceito de religião está intimamente associado com o modelo da Igreja Católica, que enfatiza a dimensão doutrinária e sua forma congregacional. Dessa forma, é muito impreciso descrever o que os agentes religiosos fazem quando marcham nas ruas, quando lutam no Congresso ou quando pregam na televisão”, disse.

A professora da USP conta que, nesse sentido, uma das principais contribuições do Projeto Temático é o avanço de um novo conceito para enquadrar esses fenômenos: o conceito de "religiões públicas".

“Esse conceito tem de ser trabalhado em duas dimensões diferentes. Na primeira, as religiões se tornam públicas quando fazem e dizem coisas em arenas públicas endereçadas à opinião pública. As religiões públicas implicam a relação de agentes religiosos com estranhos. Nessa perspectiva, as religiões não produzem crentes”, disse.

“Na segunda dimensão, as religiões tornam-se públicas quando emergem como um problema público, isto é, quando ações e discursos se transformam em controvérsias públicas envolvendo uma vasta gama de atores não religiosos.”

Usando esse conceito como uma ferramenta analítica, os diferentes projetos de pesquisa no âmbito do Temático estão recolhendo dados que permitam ajudar a responder como as organizações religiosas atuam publicamente no cenário brasileiro contemporâneo.

“Ou em que circunstâncias e de que maneiras as ações religiosas emergem como um problema público no cenário brasileiro? Ou, então, como e em que sentido as diferentes organizações religiosas aumentam sua autoridade moral para regular a vida coletiva em suas diferentes dimensões?”, disse Montero.

Jovens desfavorecidos em Bruxelas

Géraldine André, pesquisadora do Instituto de Estudos Europeus, da Vrije Universiteit Brussel (IES-VUB), falou na Fapesp Week Belgium sobre o tema “Obstáculos e facilitadores à participação social e cívica da juventude em Bruxelas: o caso dos grupos sociais desfavorecidos”.

“Trata-se do projeto de pesquisa que conduzo que investiga: a participação social dos jovens em termos de educação, emprego, formação e integração socioprofissional; a participação cívica e política; psicologia social; e vínculos entre tipos de participações sociais e cívicas”, disse.

Segundo André, um sexto dos belgas entre 18 e 24 anos não tem diploma do ensino médio, não estuda, não está em atividade de capacitação e não trabalha. São principalmente imigrantes. “São jovens sem ascendência europeia que acabam discriminados em escolas e no mercado de trabalho”, disse.

A pesquisa, que conduz com Alejandra Alarcon-Henriquez, do Grupo de Pesquisa em Relações Étnicas, Migrações e Equidade da Universidade Livre de Bruxelas (ULB), pretende avaliar também o impacto dos programas de estímulo à participação cívica e integração desses jovens em Bruxelas.

Urbanização e metropolização

José Marcos Pinto da Cunha, professor titular no Departamento de Demografia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e pesquisador do Núcleo de Estudos de População, ambos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), apresentou na Fapesp Week Belgium o tema “Metropolizacão e distribuição espacial da população em São Paulo: uma agenda de pesquisa”.

Cunha enfocou os principais assuntos que investiga a respeito do processo de metropolização e da dinâmica demográfica no Estado de São Paulo. O pesquisador coordenou o Projeto Temático “Dinâmica intrametropolitana e vulnerabilidade sociodemográfica nas metrópoles do interior paulista: Campinas e Santos”, apoiado pela Fapesp.

Cunha, que também está ligado ao Centro de Estudos da Metrópole (CEM) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da Fapesp –, falou sobre tendências demográficas em grande escala no Brasil.

“Entre as principais tendências da migração nos anos 1990 e 2000 estão: a diminuição das migrações interestaduais de longa distância; o aumento das migrações de retorno, que são mudanças no padrão tradicional das forças de redistribuição da população; a diminuição da pressão demográfica nas áreas tradicionais de emigração do Nordeste; o avanço da transição da fertilidade desde os anos 1980; e o protagonismo de fluxos de curta distância, especialmente nas áreas metropolitanas”, disse.

Segundo Cunha, os fluxos migratórios de grande escala foram cruciais para explicar o processo de urbanização e metropolização ao longo do século 20 no Brasil.

“Nas últimas décadas, as principais metrópoles brasileiras têm apresentado baixas taxas de crescimento populacional, devido à diminuição dos fluxos migratórios destinados a elas. Ao mesmo tempo, outros centros urbanos menores estão apresentando altas taxas de crescimento populacional. Entretanto, nenhuma evidência poderia confirmar essa hipótese, porque as áreas metropolitanas praticamente não alteraram sua parcela na população de seus estados respectivos e da nação como um todo”, disse.

Segundo Cunha, essa dispersão urbana tem levado a uma reestruturação produtiva, com desconcentração das atividades econômicas, concentração de funções de comando e de poder, emergência de complementaridades socioespaciais em escala regional e fluxos topológicos e topográficos.

“No Brasil, esse processo é concretizado pela formação do que tem sido chamado de Macrometrópole de São Paulo", disse.

Agência Fapesp




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