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Sábado, 24 de setembro de 2016, 05h58

Países precisam rever políticas econômicas para voltar a crescer, diz conferência da ONU


Colocar a economia mundial de volta nos trilhos exige dos líderes globais a adoção de políticas macroeconômicas mais ousadas, o fortalecimento da regulação e a implementação de políticas industriais mais ativas, afirma a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD).

Na sua publicação anual, “Relatório sobre o Comércio e o Desenvolvimento”, o organismo das Nações Unidas argumenta que a desaceleração econômica nos países desenvolvidos — que arrasta consigo os países em desenvolvimento — é o maior obstáculo ao crescimento global.

“Os formuladores de políticas enfrentam, em todo o mundo, uma difícil combinação de baixo investimento, desaceleração da produtividade, comércio estagnado, aumento da desigualdade e níveis crescentes de endividamento”, disse o secretário-geral da UNCTAD, Mukhisa Kituyi, acrescentando que “encontrar soluções requer uma reflexão ousada, em lugar da mesmice das reações convencionais”.

Um ano vivendo perigosamente

Em muitos países desenvolvidos, o conservadorismo fiscal e, em alguns casos, uma exagerada austeridade levaram a uma das mais fracas recuperações econômicas já registradas. Isso se sobrepôs a um longo período de lento crescimento salarial, afetando negativamente tanto a demanda por parte das famílias quanto o investimento produtivo.

A expectativa é de queda do crescimento nos Estados Unidos, que pode ficar, pela primeira vez em sete anos, abaixo daquele da União Europeia, enquanto no Japão persiste a estagnação. No Reino Unido, a recente recuperação será negativamente afetada pelo Brexit, embora ainda seja difícil prever quão grande será seu impacto e o efeito de contágio — se algum — no resto do mundo.

A perda de dinamismo econômico nas economias avançadas está afetando os países em desenvolvimento, que vão crescer, em média, menos de 4% este ano, cerca de 2,5 pontos percentuais abaixo da taxa alcançada durante o período pré-crise. Há variações regionais consideráveis, com a América Latina em recessão, enquanto a Ásia continua com um crescimento positivo, ainda que mais baixo.

O crescimento mais lento das economias em desenvolvimento, por sua vez, gera dificuldades adicionais para a economia global. Em 2016, o crescimento global provavelmente cairá abaixo dos 2,5% registrados em 2014 e 2015 e os economistas da UNCTAD não ficariam surpresos se as taxas fossem ainda menores.

A desaceleração do comércio global tem sido ainda mais dramática, com expansão de apenas 1,5% em 2015, ou seja, um ponto percentual abaixo do crescimento da economia mundial. Para a UNCTAD, a falta de demanda global e os salários reais estagnados são os principais problemas por trás da desaceleração do comércio internacional. Se os políticos não conseguirem mitigar os impactos negativos das desgovernadas forças globais de mercado, uma guinada protecionista poderia ocorrer, deflagrando um círculo vicioso recessivo que afetaria a todos, segundo a UNCTAD.

Finanças desregradas e investimento em marcha lenta

“Os entusiastas dos mercados eficientes prometeram que a desregulamentação financeira aumentaria o investimento produtivo, mas essa promessa não foi cumprida”, disse Richard Kozul-Wright, chefe da divisão sobre globalização e estratégias de desenvolvimento da UNCTAD e principal autor do relatório.

“Em vez disso, o aumento dos lucros vem coincidindo com aumento de dividendos, recompra de ações e fusões e aquisições, mas não com novas instalações e equipamentos ou mesmo com pesquisa e aquisição de capacidades”, disse ele.

As empresas não estão reinvestindo seus lucros em capacidade produtiva, empregos, ou crescimento autossustentável. De fato, embora a parcela dos lucros no produto interno bruto tenha aumentado, o investimento privado está mais de três pontos percentuais abaixo do que era há 35 anos, constata o relatório. Estimular a recuperação com base na política monetária e no crédito barato, argumenta, reforçou esse padrão.

O relatório adverte que os países em desenvolvimento têm se tornado cada vez mais vulneráveis aos voláteis mercados financeiros globais, em particular aos fluxos de capitais especulativos, e que, com a desregulamentação financeira nas economias emergentes, as empresas começam a reduzir a razão investimento-lucro, com consequências negativas para o crescimento econômico de longo prazo. Em países como Brasil, Malásia e Turquia, a razão investimento-lucro caiu acentuadamente desde meados da década de 1990, mostra o relatório.

Os fluxos líquidos de capital para os países em desenvolvimento tornaram-se negativos no segundo trimestre de 2014. Mais de 650 bilhões de dólares saíram dos países emergentes em 2015; no primeiro trimestre de 2016, foram mais 185 bilhões.

O relatório da UNCTAD adverte que, apesar de uma trégua no segundo trimestre de 2016, persiste o risco de crises recessivas: fuga de capitais, desvalorização cambial e colapso dos preços dos ativos podem frustrar o crescimento e diminuir as receitas dos governos. Vários exportadores de commodities já estão enfrentando o sobre-endividamento; na ausência de procedimentos ordenados de restruturação de dívidas, o pior pode acontecer.

Sinais de alarme vêm soando, por conta, em particular, da explosão dos níveis de dívida de empresas em economias emergentes, que agora ultrapassam os 25 trilhões de dólares.

A explosão da dívida corporativa também coincidiu com a acumulação de ativos financeiros e o direcionamento do investimento para setores altamente cíclicos, baseados em recursos naturais e de importância estratégica limitada para a convergência (catching-up), como os setores de petróleo e gás, mineração, energia elétrica, imobiliário e de serviços não industriais.

O relatório defende o fechamento de brechas na cobrança de impostos corporativos, além de medidas fiscais e regulatórias para incentivar o investimento de longo prazo. Defende também a promoção de sistemas financeiros mais diversificados, com um papel maior para os bancos de desenvolvimento.

Estimular a demanda doméstica é a chave para o crescimento global

Segundo o relatório, as economias avançadas podem promover o crescimento global sustentável por meio da combinação de política fiscal proativa, incluindo o investimento em infraestrutura, com políticas monetárias que apoiem o crescimento e com medidas redistributivas. As últimas incluem políticas de renda, legislação de salário mínimo, tributação progressiva e programas de bem-estar social adequados às circunstâncias locais. Tais políticas podem também compreender esforços regulatórios para conter a financeirização global e corporativa.

Os países em desenvolvimento devem incentivar a demanda doméstica, usar a regulação para se proteger dos riscos associados à financeirização no ambiente interno e proteger sua autonomia fiscal e de políticas para lidar com quaisquer choques imprevistos, afirma o relatório.

Muitas destas medidas exigirão uma melhor coordenação de políticas em nível internacional, sobretudo entre as economias sistemicamente importantes do Grupo dos 20 (G20).

O crescimento da produtividade industrial no Sul

De acordo com o relatório, o catching-up não está nada mais fácil para os países em desenvolvimento. Algumas regiões, nomeadamente o leste da Ásia, têm impulsionado com sucesso a produtividade e a renda por meio do desenvolvimento de fortes setores exportadores de manufaturados. Mas o aumento da participação dos manufaturados no produto interno bruto acima dos 30% não foi replicado em outros lugares, nem mesmo nos vizinhos do Sudeste asiático.

Em outras partes do mundo em desenvolvimento, a industrialização estagnou, com os países de renda média enfrentando crescentes dificuldades para passar para o próximo estágio. Em vários casos, deu-se uma “desindustrialização precoce”, muitas vezes desencadeada por mudanças drásticas nas políticas, como reflexo da confiança indevida no poder dos mercados. Em tais casos, longos períodos de estagnação ou mesmo de queda da produtividade coincidiram com o declínio da participação das manufaturas no valor adicionado e no emprego, e com quedas acentuadas das taxas de crescimento do investimento, sobretudo no setor público.

Em 2014, a Ásia sozinha foi responsável por 90% das exportações de manufaturados de países em desenvolvimento para o mundo e por 94% do comércio Sul-Sul de manufaturas. Países do Leste e do Sudeste asiático, em particular, têm sido capazes de gerar valor adicionado significativo a partir de suas exportações de manufaturados.

No entanto, este modelo agora parece menos promissor. O enfraquecimento da demanda agregada ao redor do mundo vem tornando os mercados de exportação mais saturados e competitivos. As pressões baixistas sobre os preços e os salários vêm atingindo até mesmo os exportadores asiáticos mais bem sucedidos. A criação de emprego estagnou, notadamente entre as mulheres.

Atualização tecnológica ou economias de escala são soluções possíveis para certas indústrias. Porém, a disseminação de cadeias globais de valor, nas quais as empresas líderes de cada setor comandam poder significativo de negociação e de precificação, cria obstáculos para que as empresas dos países em desenvolvimento penetrem mercados internacionais de forma economicamente recompensadora, já que os ganhos de produtividade são transferidos para o exterior na forma de preços mais baixos.

Os países em desenvolvimento necessitam de políticas estratégicas para melhorar as suas capacidades de produção, design e marketing, para que possam entrar nos mercados dos países desenvolvidos. Políticas e regras de concorrência orientadas para o desenvolvimento também podem ajudar os produtores nacionais.

Além disso, os mercados regionais e o comércio Sul-Sul oferecem novas oportunidades de exportação; no entanto, uma estratégia de crescimento mais equilibrada exigiria atenção ao reforço dos mercados locais.

A UNCTAD sustenta que as reformas estruturais convencionalmente recomendadas, que frequentemente resultam em moeda sobrevalorizada e salários reprimidos, não produzirão resultados sustentáveis.

A política industrial relançada

O ambiente global menos favorável significa que os países em desenvolvimento não podem contar com um retorno rápido ao crescimento alcançado nos primeiros anos do novo milênio. Novos caminhos exigirão ações ousadas mas pragmáticas como, por exemplo, a transferência de recursos para atividades mais diversificadas e de maior valor agregado.

A política industrial sempre envolveu seleção e apoio a setores-chave, mas o relatório deste ano defende uma abordagem mais sofisticada, incluindo a construção de elos e capacitações para construir uma base produtiva adequada a um mundo em rápida mudança e em que há espaço para a experimentação e o aprendizado, nos setores público quanto privado.

Esta não é apenas uma questão para os países em desenvolvimento; os países desenvolvidos vêm se esforçando para lidar com preocupações pós-industriais como a estagnação secular e o enfraquecimento das classes médias.

O relatório pede que os formuladores de políticas sejam mais pragmáticos, aprendendo com os sucessos e fracassos.

Instituições governamentais capazes e estáveis, juntamente com recursos públicos adequados, são de suma importância. Mas o diálogo entre governo e empresas é também essencial para a troca de informações e a construção de confiança. É crucial que o Estado esteja também disposto e apto a retirar ou suspender o apoio financeiro em caso de mau desempenho das empresas.

O relatório pede por uma discussão menos ideológica da política industrial ao mesmo tempo em que reconhece que políticas industriais por si sós dificilmente gerarão os resultados almejados. Pelo contrário, a chave para o sucesso reside na integração efetiva das políticas macroeconômicas, financeiras, industriais e de comércio exterior. 




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