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Saúde
Sexta, 05 de agosto de 2016, 05h51

Drogas que modulam a expressão gênica são testadas em modelo de diabetes


Na origem de doenças complexas e multifatoriais, como câncer, Alzheimer ou diabetes, há, em geral, uma combinação de fatores genéticos e ambientais. Estudos já demonstraram que hábitos de alimentação e de atividade física, assim como exposição a toxinas e patógenos, podem alterar a forma como os genes se expressam – sem causar alterações na estrutura do DNA –, deixando o organismo mais protegido ou mais predisposto a desenvolver uma determinada patologia.

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As chamadas modificações epigenéticas – um conjunto de processos bioquímicos disparados por estímulos ambientais que moldam o funcionamento do genoma e, consequentemente, o perfil fenotípico, por meio da ativação ou desativação de genes – foram tema do Projeto Temático “Estrutura e organização da cromatina com o envelhecimento e o diabetes frente a alterações induzidas em marcadores epigenéticos”, coordenado pela professora Maria Luiza Silveira Mello, no Instituto de Biologia (IB) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A investigação sobre o uso de algumas drogas moduladoras epigenéticas no tratamento do diabetes vem sendo feita no âmbito da Bolsa de Doutorado de Marina Barreto Felisbino vinculada àquele projeto.

Entre os mecanismos epigenéticos conhecidos estão a metilação do DNA – que ocorre quando há adição de um grupo metil (formado de partículas de hidrogênio e carbono) à base citosina do DNA – e a modificação de histonas – relacionadas à adição ou subtração de grupos acetil (carbono, oxigênio e hidrogênio) e metil (carbono e hidrogênio) aos aminoácidos que formam essas proteínas existentes no núcleo das células.

Acredita-se que, assim como esses processos bioquímicos podem estar envolvidos na causa de uma doença, podem também fazer parte da cura. Partindo desse pressuposto, diversos grupos de pesquisa têm testado – ainda de forma preliminar – o efeito de drogas capazes de induzir modificações epigenéticas no tratamento de patologias complexas.

“Há evidências de que a metilação do DNA e as modificações de histonas regulam as vias relacionadas com o metabolismo de glicose e de insulina. Em uma situação de hiperglicemia, essas marcas epigenéticas estão desreguladas. Nossa hipótese é que, com uma droga moduladora epigenética, podemos fazer voltar ao estado normal”, disse Felisbino.

Conforme explicou Mello, a linha de pesquisa de Felisbino tem como objetivo testar, no tratamento do diabetes, a utilidade de drogas como o ácido valproico e a tricostatina – capazes de inibir uma enzima responsável por remover radicais acetil ligados às proteínas histonas (deacetilase de histonas).

Para simular as condições da doença in vitro, o grupo tem usado uma linhagem de hepatócitos (células do fígado) em um meio de cultura com alta concentração de glicose (hiperglicemia).

“Decidimos usar como modelo células do fígado porque ele é um órgão-chave no metabolismo. Normalmente, o fígado libera glicose na circulação sanguínea apenas sob condições de restrição de nutrientes. Mas a resistência ou a deficiência de insulina pode causar aumento dessa produção de glicose hepática e isso é um evento central no desenvolvimento e no avanço do diabetes”, explicou Mello.

Um dos objetivos do estudo era entender como a cromatina (estrutura existente no núcleo celular formada pelo DNA e por proteínas histônicas e não histônicas) dos hepatócitos responde tanto a uma situação de hiperglicemia como à exposição a inibidores da enzima deacetilase de histonas.

“Esse conhecimento nos permite entender as consequências de um tratamento que faça uso de tais drogas, como o ácido valproico. Ele tem sido amplamente usado no tratamento de surtos epilépticos e, mais recentemente, foi descrito seu papel como agente inibidor de deacetilase de histonas”, contou Mello.

Um primeiro experimento foi feito para observar se a hiperglicemia por si só induzia modificações na cromatina dos hepatócitos – sem qualquer interferência de drogas moduladoras. Segundo Felisbino, a cromatina foi o alvo principal da análise por ser o “palco do controle epigenético”.

O grupo comparou células cultivadas em um meio normoglicêmico (níveis normais de glicose) com células em meio hiperglicêmico e avaliou – por miscroscopia confocal e softwares de análise de imagem – parâmetros como área, perímetro, densidade e compactação do núcleo. Também foi avaliada, por citometria de fluxo, a abundância de determinadas modificações de histonas já identificadas em estudos anteriores como relevantes na modulação da expressão gênica.

“Algumas modificações de histonas são clássicas e já têm o papel bem compreendido. Por exemplo: a H3K9-acetilada, em geral, está relacionada a uma cromatina mais aberta e mais ativa. Ou seja, está associada a um aumento na expressão gênica. Já a H3K9-dimetilada está relacionada com uma cromatina mais fechada, mais compactada e, consequentemente, com uma redução na expressão gênica”, explicou Felisbino.

Os resultados desse primeiro ensaio indicaram que a hiperglicemia faz com que a cromatina fique mais descompactada e mais propensa à expressão gênica. Neste primeiro momento, a análise não se concentrou em genes específicos, ou seja, foi avaliada a expressão de maneira global.

O passo seguinte foi tratar os hepatócitos no meio normoglicêmico e hiperglicêmico com as drogas ácido valproico e tricostatina. Como elas inibem a enzima que remove o grupo acetil das histonas, estão relacionadas com um aumento na acetilação dessas proteínas e, portanto, a uma descompactação da cromatina e aumento na expressão gênica.

“Nas células em normoglicemia elas de fato agiram dessa forma, aumentando o tamanho do núcleo e a abundância das marcas epigenéticas associadas a uma cromatina mais descompactada e ativa. Achávamos que nas células em meio hiperglicêmico esse efeito seria ainda mais acentuado, mas não foi isso que observamos. Praticamente não houve diferença estatística na comparação das duas culturas”, contou Felisbino.

Aprofundando as análises

Do ponto de vista morfológico, portanto, tanto a hiperglicemia como o tratamento com os inibidores de deacetilase de histonas induziram modificações semelhantes na cromatina dos hepatócitos. No entanto, conforme explicou Felisbino, isso não significa que as duas condições aumentaram a expressão gênica da mesma maneira. Os genes modificados podem ter sido diferentes.

“Vimos um exemplo em que essa modulação foi diferente ao analisar a expressão do gene de uma enzima chamada DNA metiltransferase, responsável por catalisar a transferência de radicais metil ao DNA. O ácido valproico levou à diminuição da expressão dessa enzima, enquanto a hiperglicemia não alterou nada”, contou a pesquisadora.

Tal dado sugere, segundo Felisbino, que nas células tratadas com ácido valproico o nível de metilação do DNA poderia estar diminuído. Esta também é uma modificação epigenética e está relacionada à diminuição na expressão gênica. “É apenas um indício. Para ter certeza, seria preciso avaliar toda a cascata de enzimas envolvidas nesse processo de metilação do DNA”, ponderou.

Os resultados desses primeiros experimentos foram divulgados em um artigo publicado no Journal of Cellular Physiology.

Em uma nova etapa da pesquisa, Felisbino está investigando, em cada um dos genes codificadores de proteínas existentes no genoma humano, o efeito da remodelação cromatínica induzida pelo ácido valproico.

“Vamos analisar, gene a gene, o nível dessas modificações de histonas e ver se aumentou ou diminuiu a expressão. O objetivo é identificar vias-chave que são alteradas e traçar o mecanismo de ação dessas drogas”, contou.

A parte de coleta de dados já foi feita durante uma Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior. O estágio foi realizado no Baker IDI Heart & Diabetes Institute, na Austrália .

“Agora estou analisando os dados, que é a parte mais demorada. Depois que identificarmos o mecanismo de ação vamos testá-lo em culturas de células e em camundongos”, contou.

Mello ressaltou que, embora o ácido valproico já seja bastante usado na clínica, ainda não são conhecidos os possíveis efeitos colaterais que podem ser desencadeados com tratamentos mais longos e com doses elevadas da substância.

“No entanto, seu uso em condições controladas foi liberado pela FDA [Food and Drug Administration, a agência de vigilância sanitária norte-americana] como inibidor de proliferação celular no tratamento de alguns tipos de tumor”, contou.

A tricostatina também já é usada em humanos, de forma experimental, no tratamento do câncer e na prevenção de partos prematuros.

Agência FAPESP 




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