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Nacional
Quarta, 20 de junho de 2018, 07h07

Artista na expedição, biólogo no museu


Área externa do MuBe com instalação Ainozama, de Fernando Limberger (2018), em primeiro plano. Ao longo da exposição, plantinhas de capim-braquiária aos poucos emergem no cenário devastado (foto: Léo Ramos Chaves)

Foi uma clara opção por ampliar o alcance da descoberta científica que levou a bióloga Lúcia Lohmann, em 2016, a convidar profissionais com novos olhares para integrar uma expedição à Amazônia.

Enquanto ela e sua equipe percorriam os rios Negro e Branco coletando plantas para investigar a história evolutiva das espécies, a artista plástica portuguesa Gabriela Albergaria, o cineasta Gustavo Almeida e o fotógrafo Léo Ramos Chaves, integrante da equipe de Pesquisa Fapesp, faziam seus registros. Depois disso, outro encontro fortuito – com o filósofo Cauê Alves, curador geral do Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia (MuBE), de São Paulo – culminou na exposição inaugurada em 12 de maio, com curadoria de ambos.

Amazônia: os novos viajantes, fica em cartaz até 29 de julho e traça um caminho entre os exploradores do século XIX e as viagens atuais. Também traz de volta a vocação inicial de ser um museu dedicado à ecologia, em paralelo à arte.

A distância entre os livros repletos de ilustrações deslumbrantes dos naturalistas antigos e os artigos científicos do grupo de Lúcia, professora no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), parece infinita. Mas viajantes como os alemães Karl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868) e Johann Baptist von Spix (1781-1826), por exemplo, estabeleceram as bases para muita pesquisa posterior com um extenso levantamento de espécies de plantas e a elaboração de mapas, entre outras contribuições.

“Hoje precisamos de waze para ir até a esquina”, brinca Alves. “Mas temos na exposição um mapa da Amazônia feito por Martius e Spix, sem recursos tecnológicos, que é muito semelhante ao que se conhece hoje.”

Lúcia e Alves reuniram um diverso acervo artístico contemporâneo sobre a Amazônia que vai desde meados do século XX até obras feitas especialmente para a mostra, como os troncos queimados sobre areia vermelha do artista plástico Fernando Limberger.

Ao longo do tempo, sementes escondidas na areia germinam e emergem as folhas verdíssimas do capim braquiária, especialista em recolonizar áreas devastadas. “Já a estufa de Alberto Baraya com plantas de plástico nos lembra que grande parte do que preservamos se torna artificial”, comenta a cocuradora e bióloga. Para ela, causa um desconforto essencial.

Também há lugar para fotografias de vários momentos e temas, para esculturas de artistas consagrados como Frans Krajberg (1921-2017) e Maria Martins (1894-1973).

Gabriela Albergaria, que participou da expedição, participa com duas obras. Uma delas é uma paleta de cores que ela recolheu acompanhando o trabalho de campo e buscando adaptar o olhar à mata cerrada.

“A ideia era encontrar as espécies de trepadeiras que se encontravam nas copas das árvores. Por isso se fez a viagem durante as cheias dos rios Negro e Branco”, conta, demonstrando uma atenção aos aspectos e processos científicos que alimentaram seu trabalho. “As saídas eram tudo menos contemplativas, e no início eu não entendia como distinguir uma planta de outra no meio daquela amálgama de folhas e plantas verdes; no final já conseguia distinguir algumas.”

Ela instalou um estúdio no barco em uma mesa na cozinha onde catalogava cores e registros, enquanto no segundo piso os pesquisadores organizavam o material coletado em um laboratório improvisado.

“A preparação das plantas para retirada de DNA é totalmente diferente de fazer um herbário, onde o material é seco e prensado entre folhas de jornal com cuidado para manter a forma. Para o estudo do DNA e da anatomia, a forma é completamente desnecessária, o que interessa são mínimos pedaços colocados em saquinhos de chá ou em um líquido dentro de uns frasquinhos, quase alquimia. Entrou, para mim, no nível da fantasia. Do encantamento”, relembra a portuguesa.

“A presença dos artistas nos fez pensar de outra maneira sobre o trabalho e seu significado”, conta Lúcia. “Eles questionam de uma maneira a que não estamos acostumados.” Os frascos, os saquinhos de chá e as plantas prensadas foram registrados por Léo Ramos Chaves em imagens que entram na exposição tanto no núcleo científico, enquanto registro, como no artístico.

Enquanto o vídeo de 14 minutos produzido pelo cineasta Gustavo Almeida durante a viagem é projetado em uma parede, o visitante passeia pelo mundo da ciência. Pode conhecer ferramentas como o podão, cujo longo cabo chega a ser operado por três pessoas para cortar os galhos no alto das árvores, material de laboratório para estudos genéticos e outros equipamentos de campo.

É possível folhear um guia de identificação de plantas, o mesmo que no vídeo é examinado pelo guia Osmar Barbosa. Em um microscópio, um corte finíssimo de madeira de jatobá exibe um rendilhado que não deve nada às obras de arte e uma enorme fatia de um jatobá adulto, com seus anéis de crescimento, revela que a árvore já estava na Amazônia quando os viajantes do século XIX passaram por lá.

“Apesar da longa idade da floresta Amazônica, estamos descobrindo que muitas das espécies hoje viventes neste bioma são, na verdade, mais recentes do que se pensava”, pondera Lúcia. Os vários e complexos resultados dessa pesquisa, representados nos artigos científicos expostos, não chegam a estar integrados na mostra.

Em outro paralelo entre arte e ciência, as delicadas e coloridas aquarelas de flores feitas pela inglesa Margaret Mee (1909-1988) entre os anos 1950 e 1980 convivem com precisas ilustrações botânicas em nanquim desenhadas por Barbara Alongi e Klei Sousa para documentar espécies descritas por Lúcia e seus alunos.

“A necessidade de representação é muito importante em todos os estudos científicos. Esse é um ponto de comunicação essencial entre arte e ciência”, reflete Gabriela. A outra obra de sua autoria incluída na mostra é uma árvore transformada em cubos de tamanhos crescentes – ou decrescentes. “É geométrico, racional, contido”, descreve Cauê Alves. “Representa a arte e a ciência, o orgânico e o inorgânico.”

Estudos feitos nos anéis de crescimento da fatia de tronco de jatobá pelo grupo do biólogo Gregório Ceccantini, do IB-USP, revela que a árvore já existia quando os viajantes do século XIX passaram pela Amazônia. A peça, cortada legalmente no Pará em 2015, pertence à coleção da Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz (Esalq-USP)

Lúcia avalia que a exposição chama atenção do público para a Amazônia. Ao mesmo tempo, pesquisadores perceberam que precisam se movimentar para divulgar seu trabalho para não especialistas.

Alves celebra a presença, antes rara, de biólogos entre os visitantes. “É uma oportunidade de mostrar o museu também como lugar de pesquisa”, diz. Ao longo da exposição, haverá oficinas como a de prensagem de plantas e o olhar científico sobre a flora, ministrada pelo biólogo Luiz Henrique Fonseca no dia 16 de junho. Em julho, está prevista uma programação de filmes sobre a Amazônia e palestras.

Restabelecer o projeto inicial – ser um museu de escultura e ecologia foi a condição imposta para a concessão do terreno pelo então prefeito Jânio Quadros em 1986 – também é um reconhecimento da importância do prédio projetado pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha, assim como do jardim, desenhado pelo paisagista Roberto Burle Marx.

“O teto recolhe água e direciona para uma cisterna que alimenta os espelhos d’água”, ressalta Alves. É um exemplo de atenção à questão ambiental, para a qual o curador também pretende chamar atenção do público. “É o problema mais urgente que temos para resolver no mundo agora.”

Amazônia: os novos viajantes
Terça a domingo, 10h às 18h, até 29 de julho
Rua Alemanha, 221, São Paulo
Mais informações: www.mube.space

 Agência Fapesp




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