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Nacional
Quarta, 12 de dezembro de 2012, 09h33

Cientistas analisam desempenho de instituições democráticas


Pesquisadores do Brasil e da Espanha debatem em Salamanca temas como políticas públicas, elites políticas, decentralização e federalismo

Agência FAPESP – Estudos de cientistas políticos e sociais de São Paulo e Espanha sobre características e desempenho de instituições democráticas foram expostos e debatidos em Salamanca no primeiro dia do simpósio “Fronteras de la Ciencia – Brasil y España en los 50 años de la FAPESP”, promovido pela FAPESP e Universidade de Salamanca (Usal).

Miguel Jerez, da Universidade de Granada, deu início às sessões com o relato de sua pesquisa sobre os deputados da nova democracia espanhola. Trata-se de uma extensiva compilação de dados demográficos, pessoais e políticos de todas as legislaturas da Câmara baixa da Espanha por partidos políticos, que permitem análises interessantes sobre o Legislativo do país.

Para chegar a isso, Jerez reviu estudos empíricos sobre política desde os clássicos dos anos 1950 (como Wright Mills, Seymour Lipset, Robert Putnam e outros) até estudos comparados mais recentes sobre as elites nacionais europeias e espanholas.

Com os dados compilados por Jerez, constata-se, por exemplo, que a idade média dos deputados tem caído nestas três décadas e meia, e que atualmente os comunistas são os mais idosos (45,5 anos na média) e os socialistas os mais jovens (39,3).

A participação de mulheres na Câmara tem tido um crescimento constante: elas eram 6% da casa em 1977 e agora são 36,3%, e os socialistas são o partido que tem a maior bancada feminina proporcionalmente ao seu total de componentes.

A porcentagem dos bacharéis de direito caiu de 45,4% para 37,7% do total da Câmara, enquanto a de bacharéis em humanidades subiu de 29,7% para 46,6% nestes 35 anos. Pessoas sem nível superior completo, que eram 14,6% em 1977, agora são 9,9%.

Nas profissões, advogados diminuíram (de 21,1% para 17,4%), professores universitários aumentaram (de 15,1% para 19,5%), embora entre estes os catedráticos tenham decaído (de 8,0% para 5,2%) e crescido os titulares e assistentes.

Um dos dados mais interessantes é o da baixa renovação dos membros da Câmara espanhola: na média destes 35 anos, 57% dos deputados se reelegem para a Legislatura seguinte; na primeira eleição após a de 1977, esta porcentagem foi de 59,1%, e na mais recente, de 62%.

Jerez também registra que, como em diversos outros países do mundo, o grau de confiança do público no Legislativo vem decaindo na Espanha.

Esse trabalho guarda semelhança temática com o de José Álvaro Moisés e seu grupo do Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas (NUPPs) da Universidade de São Paulo (USP), que pretende mensurar com dados os mais objetivos possíveis a qualidade da democracia no Brasil ou em outros países.

Em sua fala no simpósio “Fronteras de la Ciencia”, Moisés explicou sua abordagem teórica, que aceita o princípio de que a democracia se desenvolve e há características que marcam sua durabilidade e que podem aperfeiçoá-la. Ele e seus colegas têm estudado processos de democratização não apenas no Brasil, mas também em nações do sudeste europeu para identificá-las.

Há vários fatores que podem definir uma democracia, e Moisés elencou diversos: realização periódica de eleições, primado da lei, respeito a direitos e sua extensão, autonomia do sistema judiciário, controle do sistema político pela sociedade e capacidade da sociedade de exigir prestação de contas dos detentores do poder (accountability) e grau de resposta dos dirigentes às demandas da sociedade e sua capacidade de agir em resposta a ela (responsiviness).

O trabalho do NUPPs está em desenvolvimento e ainda há relativamente poucos resultados concretos a mostrar. Mas Moisés mostrou diversos aspectos positivos da democracia brasileira nos seus 25 anos (que se completam em 2013), como o funcionamento autônomo e eficaz das instituições, a absoluta ausência das Forças Armadas no debate político e sua completa submissão ao comando civil, o aumento da extensão de direitos a camadas da população que antes eram quase totalmente desprovidos deles.

Mas também apontou dificuldades da jovem democracia brasileira, entre as quais: casos de abuso de poder, corrupção, violação de direitos humanos, desequilíbrios no sistema eleitoral, assimetria entre Executivo e Legislativo – este muito menos influente e poderoso do que aquele, mesmo na função que deveria ser especificamente sua de gerar leis – e falhas no sistema de representação política.

Políticas e federalismo

Joan Subirats, da Universidade Autônoma de Barcelona, discorreu no simpósio em Salamanca sobre os estudos de políticas públicas na Espanha. Iniciou com a afirmação de que seu país e a Europa como um todo começaram relativamente atrasados a pesquisar esse tema em comparação com os Estados Unidos, que já vem fazendo isso desde a metade do século passado.

Na Europa, só na década de 1980 as primeiras tentativas de análise sistemática de políticas públicas passaram a ser feitas, e na Espanha apenas no final dela, embora a partir da morte de Francisco Franco em 1975 e do processo de democratização do país o termo já tivesse começado a ganhar relevância nos meios de comunicação e nos debates acadêmicos.

Na Espanha, de acordo com Subirats, o campo dos estudos de políticas públicas não se constitui como uma disciplina específica, mas como um ponto de encontro de pesquisadores de disciplinas diversas, como a sociologia, a antropologia, o direito, a ciência política.

De acordo com ele, os temas que têm sido mais estudados na Espanha são: políticas públicas em múltiplos níveis (global, europeu, nacional, regional e local), políticas públicas e movimentos sociais, políticas públicas sociais, políticas públicas e internet, gestão de políticas públicas e metodologia.

Marta Arretche, professora do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, mostrou como cientistas políticos erraram em suas previsões sobre o comportamento do federalismo brasileiro a partir de uma interpretação equivocada dos dispositivos a respeito dela na Constituição de 1988 e da expectativa de comportamento das bancadas dos Estados em votações de leis de interesse regional.

Segundo essas análises, o federalismo brasileiro seria descentralizado e leis como a Lei da Responsabilidade Fiscal (LRF), aprovada no governo de Fernando Henrique Cardoso, dificilmente teriam o aval do Congresso.

Tais comentários chegaram a provocar discussões entre cientistas políticos da Europa que a União Europeia poderia imitar o Brasil em iniciativas como a LRF para resolver seus próprios problemas.

Arretche, que é diretora do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP, demonstrou cabalmente que a LRF não foi algo idiossincrático ou excepcional na história política brasileira das duas últimas décadas.

Entre 1992 e 2012, 70 emendas constitucionais foram aprovadas no Brasil (média de 3,3 por ano) e 37 delas (1,8 por ano) tratavam de questões federativas, taxas bastante altas em comparação com outros países.

Na realidade, diferentemente da União Europeia ou dos Estados Unidos, o governo central tem autoridade para dar início a legislações nacionais e os governos subnacionais têm muito pouca possibilidade de vetar legislação aprovada em nível nacional, e estes são os dois fatores decisivos para garantir mais autonomia às administrações regionais em uma nação.

Os estados e municípios do Brasil não têm autonomia para estabelecer patamares de gastos em saúde, educação ou pessoal e têm autonomia muito limitada para decidir sobre impostos, receitas, despesas e políticas públicas.

Os estados só podem decidir sobre regiões metropolitanas e os municípios não têm poder para decidir sobre política pública nenhuma. Eles têm apenas poder para executar políticas públicas, como as de saúde e educação.

“O termo autonomia tem sido incorretamente utilizado para descrever o federalismo brasileiro”, afirmou Arretche.

Jorge Amado e comunismo

Já Esther del Campo,da Universidade Complutense, falou no simpósio “Fronteras de la Ciencia” sobre a descentralização, tema afim com o de Arretche, especialmente em países andinos, como Bolívia e Colômbia.

Del Campo mostrou como experiências de descentralização nessas e outras nações forçaram os cientistas políticos a pensar em marcos analíticos originais, referências que proporcionassem melhores explicações às causas, configurações consequências de novas formas de governo na esfera local.

No caso específico da Bolívia, após mais de dez anos de experiência, embora tenha ocorrido a introdução de mecanismos mais participativos de gestão local, com o apoio da cidadania, os níveis de participação na tomada de decisões têm sido relativamente modestos e ainda se desenvolveram pouco.

Para ela, há três “Cs”, três conceitos fundamentais para que tentativas de descentralização venham a obter mais sucesso efetivo no futuro: controle, coordenação e cooperação.

No campo da vida política extrapartidária, os comunistas foram marginalizados da atividade política partidária formal no Brasil durante a maior parte do século 20, devido às leis que proibiam a existência de seus partidos, mas a participação de artistas e intelectuais de esquerda na formação do campo intelectual e da indústria cultural do Brasil foi intensa nesse período.

Marcelo Ridenti, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que vem se dedicando ao estudo dessa influência, afirmou em Salamanca que “é muito difícil compreender a produção cultural brasileira sem entender a participação dos comunistas nos anos de 1940 a 1970”.

Para exemplificar, ele discorreu sobre Jorge Amado, cujo centenário de nascimento é comemorado este ano e que foi objeto de um seminário sobre sua obra na Universidade de Salamanca, e seus camaradas no círculo internacional comunista, mais especificamente entre 1945 e 1956.

Amado, que foi eleito deputado constituinte em 1946 pelo PCB, mas teve de ir para o exílio porque o partido foi banido da vida pública pouco depois, foi para a França, conectou-se com outros artistas que também se refugiaram ali e ganhou grande destaque nas redes de comunicação dos comunistas da época.

Como as universidades brasileiras eram muito jovens e pouco faziam para se internacionalizar naquele tempo, quem queria manter contatos intelectuais com colegas de outros países tinha de procurá-los em entidades já multinacionais, como a Igreja Católica e os partidos comunistas.

Ridenti mostra que, até 1948, só dois livros de Amado haviam sido publicados na França. Entre 1948 e 1955, tempo de seu exílio e logo após ele, outros seis foram editados. Seus textos também apareciam em publicações controladas pelos comunistas franceses, que tinham um terço do eleitorado naquela época, como as revistas “Europe” e “Lettres Françaises”.

O professor da Unicamp mostrou também os conflitos internos vividos por Amado no período, em especial após a revelação de crimes do estalinismo, que o fizeram afinal abandonar o Partido Comunista.

O evento “Fronteras de la Ciencia” integra as comemorações dos 50 anos da FAPESP e reúne, nas cidades de Salamanca (10 a 12/12) e Madri (13 e 14/12), pesquisadores do Estado de São Paulo e de diferentes instituições de ensino e pesquisa do país ibérico, em uma programação intensa, diversificada e aberta ao público.

Mais informações: www.fapesp.br/fronteras  




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