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Variedades
Quinta, 01 de dezembro de 2016, 07h56

Cinema brasileiro é mapeado por meio da relação com outras mídias


O público do século 21, cada vez mais acostumado a encarar o cinema como um espetáculo tecnológico de alto impacto, com telas gigantescas, imagens 3D e som digital, certamente estranharia um bocado se voltasse no tempo para assistir aos chamados filmes cantantes, comuns no Brasil entre a primeira e a segunda década do século passado. Os filmes propriamente ditos eram mudos, mas uma trupe de artistas, posicionada atrás da tela, tocava músicas, cantava e interpretava os diálogos enquanto a ação se desenrolava.

“Isso mostra como a relação com a música foi um elemento importantíssimo para o cinema brasileiro desde os seus primórdios, o que se intensificou ainda mais com o advento do cinema falado”, disse Luciana Corrêa de Araújo, professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e integrante do IntermIdia Project.

A iniciativa, financiada pela FAPESP e pelo The Arts and Humanities Research Council (AHRC) do Reino Unido, é uma colaboração entre pesquisadores brasileiros e britânicos cujo objetivo é entender a história do cinema no Brasil a partir da relação entre as produções cinematográficas e outras manifestações artísticas e culturais, conceito conhecido como intermidialidade.

Os membros da equipe internacional realizaram seu primeiro congresso, a I IntermIdia Conference, entre os dias 9 e 11 de novembro de 2016, na UFSCar.

O projeto é fruto de colaboração de longa data entre os pesquisadores da universidade do interior paulista e o grupo de Lúcia Nagib, brasileira que é professora da Universidade de Reading, na Inglaterra.

“Eu e outros colegas da UFSCar, como Flávia Cesarino Costa, Samuel Paiva e Suzana Reck Miranda, fomos orientandos da professora Lúcia ou trabalhamos com ela. Desde 2011, quando ela nos visitou por ocasião do congresso estadual da Socine [Sociedade Brasileira de Cinema e Audiovisual] e ainda estava na Universidade de Leeds, começamos a gestar esse projeto em comum, que foi aceito em 2015”, disse Araújo.

“Durante muito tempo, tentou-se enfatizar o que o cinema tinha de autônomo e de específico, até para delimitar melhor essa manifestação artística e fortalecê-la como um campo próprio digno de estudo. Mas essa postura vem se modificando, no sentido de tentar entender melhor essas relações com outras formas de arte e não isolar o cinema”, destacou.

Segundo a professora da UFSCar, as duas décadas iniciais da produção cinematográfica após a invenção dessa tecnologia, conhecidas como Primeiro Cinema, foram especialmente fecundas nesse sentido, com os primeiros diretores da história digerindo avidamente influências de manifestações artísticas mais antigas, como o circo, o teatro “sério” e os números musicais populares.

Um trabalho apresentado por Araújo durante o evento ilustra dois resultados inesperados e criativos desse hibridismo durante os anos 1920, envolvendo, em ambos os casos, o diretor Luiz de Barros.

Em 1924, em parceria com a companhia de teatro de variedades Jércolis-Villar, o diretor decidiu selecionar membros da plateia para participar das filmagens de um curta-metragem, que seria rodado no próprio palco e exibido no dia seguinte. Ao mesmo tempo, os próprios ensaios para o filme, conduzidos pelo ator Jardel Jércolis, foram transformados em uma espécie de improviso cômico.

Contratado pelo exibidor Francisco Serrador, o diretor produziu prólogos teatrais dos filmes que seriam exibidos depois. Eram pequenas peças baseadas em elementos (personagens, cenas e temas) do filme propriamente dito.

Com a chegada da tecnologia do cinema falado a partir dos anos 1930, a mistura de teatro popular e apresentações musicais daria origem ao único gênero cinematográfico genuinamente inventado no Brasil, segundo o pesquisador João Luiz Vieira, da Universidade Federal Fluminense (UFF): a chanchada.

De acordo com Vieira, que apresentou sua análise do gênero durante o congresso, os blocos cômico-musicais que compõem as chanchadas quebram deliberadamente a coerência e a previsibilidade do cinema tradicional.

Não por acaso, talvez o tema por excelência das chanchadas seja o Carnaval, o que as ajudou a incorporar alguns dos elementos-chave dessa festa popular: inversões do status quo, críticas sociais bem-humoradas e o que ele classifica como um certo “horizonte utópico”.

Ao mesmo tempo, paradoxalmente, as chanchadas têm uma relação simbiótica com a popularidade comercial das estrelas do rádio e com a nascente indústria musical do país, um processo que Rafael de Luna Freire, também da UFF, classifica como “gramofoneradiomania”.

“As chanchadas incorporam aspectos do rádio, das apresentações em teatros, cassinos e boates, e acabam garantindo a presença regular e a sobrevivência da produção cinematográfica em seu próprio mercado graças à sua popularidade”, disse Vieira.

Abordagem política

Ao voltar seu olhar para produções dos últimos anos, os participantes do congresso examinaram ainda as implicações políticas da intermidialidade no cenário atual do país.

Talvez o exemplo mais impactante seja o escolhido por Reinaldo Cardenuto, da Faap: o filme Jovens infelizes ou um homem que grita não é um urso que dança, de Thiago Mendonça, que venceu o principal prêmio da Mostra de Cinema de Tiradentes neste ano.

A obra segue o cotidiano de um coletivo de jovens artistas que experimentam com misturas dos mais variados tipos de criação artística – performances de rua, teatro, samba, cinema – como forma de manter vivo o ideário de uma esquerda transgressora e revolucionária.

No entanto, esse ideal paulatinamente se revela inviável e, em última instância, autodestrutivo. “É como a vida que a gente leva dentro da nossa bolha progressista do Facebook, que é gostosa, mas não tem conexão com o que existe lá fora”, disse Cardenuto. 

Agência Fapesp




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