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Quarta, 18 de janeiro de 2017, 08h09

Graciliano Ramos: memória e militância


Graciliano Ramos (1892 – 1953) foi preso em Maceió em 1936, quando o governo de Getúlio Vargas investiu contra a esquerda, em resposta aos levantes comunistas de 1935. Enviado ao Recife e transferido no porão de um navio para o Rio de Janeiro, o autor de Vidas Secas permaneceu 11 meses na Casa de Detenção e na Colônia Correcional de Dois Rios, na Ilha Grande, sem qualquer processo ou acusação formal. Deixou a prisão em 1937, graças à pressão de José Lins do Rego e de José Olympio, entre outros intelectuais. No mesmo ano, esboçou algumas notas sobre a sua experiência de cadeia.

“Mas, de fato, ele só retomou a redação de Memórias do Cárcere em 1946, um ano depois de ter ingressado no Partido Comunista Brasileiro (PCB) a convite de Luiz Carlos Prestes”, disse Fabio Cesar Alves, autor de Armas de Papel: Graciliano Ramos, as Memórias do Cárcere e o Partido Comunista Brasileiro, em que analisa, do ponto de vista da crítica literária, a obra memorialística de Graciliano Ramos. O livro foi publicado com apoio da FAPESP.

Em Memórias do Cárcere, enfatiza Alves, a narrativa já engajada do autor de Caetés (1933) e São Bernardo (1934), entre outros romances, ganhou força e uma nova dimensão com a experiência de militância. “Ao mesmo tempo em que funde a experiência pessoal e a ficção, suas reminiscências revelam forte intervenção intelectual e acurada análise política e partidária da vida nacional.”

Ao longo dos quatro volumes de Memórias, fundem-se as vozes do prisioneiro e do escritor, em uma espécie de “exumação” seletiva do passado e da experiência no cárcere com vistas ao debate político.

“Não se trata apenas de um libelo contra a opressão varguista, mas de um relato pessoal, sujeito à elaboração ficcional e filtrado pelo momento histórico do militante que rememora”, disse Alves.

Em Armas de Papel, o professor de Literatura Brasileira da Universidade de São Paulo (USP) desvenda essa característica marcante da obra de Graciliano Ramos inscrevendo o texto literário no contexto histórico, político e social do país, procurando compreendê-lo à luz dos dilemas vivenciados pela intelectualidade brasileira nos anos 1940.

“A análise é centrada na forma literária criada pelo autor. Para analisá-la, no entanto, faz-se necessário recorrer à história e à ciência política, procurando perceber como esse material ‘externo’ se torna agente da estrutura composicional, lançando mão do que Antonio Candido denomina ‘crítica de vertentes’”, disse.

O narrador "crispado"

De Candido, crítico literário e professor emérito da USP e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Alves empresta também o conceito de “crispação” para captar a dinâmica narrativa.

“O narrador relata um episódio, retrai-se e analisa a si próprio, procurando entender as reverberações e implicações dos acontecimentos, inclusive no momento da escritura. Por isso, em lugar de exibir apenas uma trajetória factual, a narrativa dá figuração às crises de consciência a partir do que o escritor vivenciou e que ressurgem como questões decisivas para o sujeito situado no presente”, disse.

Assim, “em lugar da simples exposição das relações sociais entrevistas no cárcere, Graciliano oferece a interiorização e a vivência subjetiva dessas mesmas relações, sem perder a visada crítica sobre as questões mais amplas da luta política, das discussões nos quadros partidários, das questões da sociabilidade brasileira, entre outras tantas”, disse.

O relato formaliza, segundo Alves, a experiência histórica dos intelectuais de esquerda dos anos 1940, “quando a palavra de ordem era prudência e lucidez para evitar o risco de reproduzir o discurso ortodoxo”. Reflexões sobre o caráter parcial da justiça brasileira, o estado de exceção transformado em rotina na periferia do sistema, os resquícios da mentalidade patriarcal e discricionária do escritor vêm à tona acompanhados de um severo e doloroso exame de consciência, sempre com vistas à discussão política.

O complexo quadro em que se insere o livro e o caráter híbrido do texto fizeram com que a interpretação das Memórias quase sempre fosse um problema para os críticos. “Separando de maneira estanque as esferas do real e do imaginário, sem discutir justamente a relação entre elas, diversos estudos sobre as Memórias subjugam o que parece uma condição necessária para o entendimento não apenas dessa obra, mas de toda a produção do escritor: o trânsito entre ficção e experiência pessoal”, escreveu Alves.

Quem melhor apreendeu a “estrutura compositiva” da obra foi Antonio Candido, em Ficção e confissão. “O crítico mostrou a presença de uma constante na produção de Graciliano: a dualidade entre o equilíbrio do sujeito e os seus impulsos interiores”, disse Alves. Essa dualidade se revela, nas palavras de Candido, por meio da “lucidez que procura dar forma ao caos”. No caso das Memórias, a lucidez se mostra na recriação do passado, quando o militante “revisita” o prisioneiro.

Intérprete do Brasil

Armas de Papel tem como base a tese de doutoramento de Alves em Teoria Literária e Literatura Comparada na USP sob orientação de Ivone Daré Rabello.

“O fascínio por Graciliano começou em meu trabalho de iniciação científica, quando travei contato com a documentação sobre o autor disponível no Arquivo Graciliano Ramos do Instituto de Estudos Brasileiros da USP (IEB)”, disse.

O acervo do IEB – que reúne cartas, crônicas, críticas colecionadas pelo autor e sua esposa e, inclusive, os manuscritos de Memórias e dos romances – ajudou Alves a elucidar a obra. “Percorri, também, arquivos do Rio de Janeiro, da Bahia e do interior de São Paulo, a fim de coligir o material, muitas vezes inédito, que foi reproduzido no livro.”

A capacidade de Graciliano de “entender” o país, que aparece com força em Memórias, faz com que Alves elenque o autor entre os “intérpretes do Brasil”, ao lado de Caio Prado Júnior e Sérgio Buarque de Holanda: “A visão de Graciliano, bem como o alcance de suas formulações, se aproximam do que de melhor a intelectualidade brasileira de esquerda produziu no século XX”.

Alves segue estudando a obra de Graciliano e, mais recentemente, a de Carlos Drummond de Andrade. Do poeta e cronista mineiro, que também se aproximou do PCB, analisa A Rosa do Povo, publicada em 1945.

Armas de Papel: Graciliano Ramos, as Memórias do Cárcere e o Partido Comunista Brasileiro

Autor: Fabio Cesar Alves

Editora: editora 34

Ano: 2016

Páginas: 336

Preço: R$ 59,00

Mais informações: http://www.editora34.com.br/detalhe.asp?id=915 

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