Vim do chão vermelho. Das ruas de barro. Das casas de madeira. Da cidadezinha com alto falante central em uma torre divulgando músicas, notícias e novelas.
Vim dos cafezais, do rádio ligado nas madrugadas em casas de madeira e sem forro.
Onde as sombras das lamparinas no telhado de telhas de barro mostravam tias já trabalhando.
Vim das minas d'agua, dos corgos e das lagoas.
E das pescarias de lambaris.
Vim das pizas de chinelo e dos puxões de orelhas. Moldadores do meu caráter.
Vim dos abraços de primos e de amigos.
Vim dos estilingues e carrinhos de rolemã.
E das brincadeiras noturnas com meninas e meninos: "qué esse?", passa anel...
Vim daí.
E dos serviços caseiros. Das limpezas de quintais. Vim do "trabalho infantil". Agradecido pelos trabalhos que me deram ainda criança.
Vim de criação dividida. Onde avós, irmãos, tios, padrinhos e vizinhos podiam e tinham o dever de me educar também. E me repreender.
Vim de casas sem televisão. E mais tarde, de televisão dividida com vizinhos.
Casas sujas e mães felizes por vizinhos na sala da tv.
Vim de filtros de água de barro e de fogões a lenha. Vim das tarefas de rachar lenha para eles.
De músicas estranhas eu vim. E que por algum motivo não as esqueci.
Vim de capelinhas e igrejas nos domingos.
De cemitérios não entendidos e de mortes não compreendidas.
E de caixões com corpos sendo repassados de mãos em mãos nos cortejos.
Vim daí: de mães gritando em cortejos.
Vim de matas caindo e todos aplaudindo o desmatamento.
Era uma vitória de homens e de famílias destemidas.
Vim de tantas coisas, tantas...
Trago a vida repleta de onde vim e do que vi e vivi.
Vim de pés descalços e vermelhos.
De unhas compridas e sujas. ( só até o domingo de missa).
Vim de ruas de poeira. De janelas de casas se abrindo e fechando ao sabor do pó.
Pó?
Vim de ruas de pó e se ao pó eu retornarei, estarei então pronto e feliz.